Por Jacqueline Gaudard
A
tortura e o exílio, definitivamente, compõe o quadro do uso da violência
política como forma de ordem social do novo regime político no Brasil. Os romances O estandarte da agonia (Renato Tapajós), e Em
câmara lenta (Heloneida Studart), buscam “delatar” esse período que correspondem o início da
ditadura no país. Personagens como Açucena e Luís, estudantes,
professores e intelectuais tinham como único inimigo o governo opressor,
representante da burguesia. É através dessa atmosfera violenta que percebemos
as ações dos jovens militantes da época, que
largaram tudo, até à vida, para lutar por mundo mais justo.
O
inconformismo dos jovens “com a falta de liberdade e a miséria” (O. E. A, p.
87) serve de material necessário para ilustrar o conflito vivido entre eles e
os militares. A tortura passou a ser palavra de ordem na tentativa de paralisar
as ações e os ânimos desses jovens enfurecidos contra as leis impostas pelo
novo sistema político. Em O estandarte da
agonia, a luta de Açucena por uma informação pelo desaparecimento do filho,
mostra a dimensão do que foi a tortura no país, tanto no plano físico quanto no
plano moral. Já na obra Em câmara lenta,
percebemos o relato das ilusões perdidas de uma juventude cheia de sonhos, porém, disposta a ir até ao fim da luta, mesmo que fosse necessário morrer pela
causa. Ou, até mesmo, pelos companheiros que foram torturados até a morte e,
fiéis até o fim de suas vidas pelo espírito de mudança.
A figura do “Militão” (o torturador) demonstra
o quanto a violência física fez parte do regime político do atual contexto
histórico da sociedade brasileira. As formas de violências físicas cometidas
pela personagem do “Militão” é o que representa
de melhor a produção ficcional dos romances memorialistas, pois é através dela que percebemos essa
dura realidade transportada para a literatura, com o intuito de promover no
leitor o espírito critico e leva-lo à reflexão sobre o período de repressão.
Todas
as privações que afetavam a questão da liberdade são encaradas como uma espécie
de tortura, pois o sujeito sufocado pelas leis dos dominantes se viam cada vez
mais responsáveis em mudar o mundo. Cada gesto cometido por esses jovens
engajados na luta política, representavam a esperança de que no futuro tudo
poderia ser diferente. De que todos pudessem viver num mundo mais justo. E por
esse lema de “justiça”, de paramos-nos em um verdadeiro mar de sangue o que foi
a tortura no país.
Além
disso, o universo ficcional conduzido pelo viés da
representação da tortura é a questão que nos leva a refletir como cada
personagem se vê envolvido com a política , pois observamos que o aprendizado
político adquirido por cada um deles é levado até as últimas conseqüências.
O
exílio representa na ficção outro aspecto central para a composição da
violência política do regime, pois de certa forma ele completa o significado
das diferentes formas de torturas aplicadas em nosso país. Tanto de maneira
simbólica ou no sentido real de seu significado, o exílio fez parte do contexto
temático dos romances Em câmara lenta
e O estandarte da agonia, procurando
ilustrar de forma ampla o que representou esse tipo de tortura no indivíduo
combatente. O isolamento do sujeito nos romances
leva o leitor a refletir sobre o drama entre existir enquanto sujeito presente
no mundo e homem político e atuante na sociedade.
A tortura, seja ela de
qualquer forma, fazia parte da lógica do sistema e conduzia as ações radicais de
militares e civis. Contribuindo como matéria literária para a criação do universo
ficcional da literatura brasileira.
1.1- Eles podem tudo: A representação da tortura no romance O estandarte da agonia.
"A tortura deixa marcas para
sempre. Acho que a tenho colocado em um compartimento do meu cérebro,
deixando-a quieta. Mas, durante dez anos, após ser solto não voltava ao assunto
com tranquilidade"
Renato Tapajós, cineasta
Renato Tapajós, cineasta
O
universo ficcional do romance é marcado pelo drama da personagem-narradora,
Açucena, em se buscar a verdade a respeito do desaparecimento do seu filho Luís
(o Liminha). A partir do desaparecimento de Luís que percebemos a discussão da
temática da tortura tomar sentido na obra. Como ela mesma se exprime: “Eu sou
torturada todas as horas.” (p. 174) A partir deste momento sua vida
torna-se um “suplício”, caos profundo. É a partir daí que tudo passa
a ser conduzido pelas ações da tortura, que o tempo todo se faz presente no
decorrer da narrativa. É ela que caracteriza as ações da personagem, que move à
vida e que leva aos gestos violentos. Também é através dela que percebemos o
quanto essas ações são cercadas de elementos contraditórios, pois o sujeito
privado de suas ações, ganha, através
dela, forças para continuar na luta
contra o sistema opressor. Açucena, debilitada pela luta da busca do filho
ainda consegue afirmar que diante de tudo o “pior é que não posso desmaiar ou
morrer”, pois é necessário se manter forte para continuar a caminhada.
As
várias imagens violentas ilustradas nos momentos de tortura com a personagem
“Militão” (o torturador), representa o
horror vivido pelos oprimidos que a todo momento não consegue abstrair as
imagens de dor e desespero provocados pelas ações da tortura. Como mostra a
passagem do diálogo de Bruno (militante político) com a personagem principal:
A tortura não é um episódio passageiro, é um fenômeno
permanente. Eu continuo com as minhas sessões de tortura. Às vezes estou num
ônibus e me sinto tão sufocado como no dia em que me enfiaram um saco plástico
na cabeça e começaram um processo de asfixia. (p. 174)
O envolvimento da personagem com às
questões políticas são conseqüências da
ausência de liberdade que ela teve que submeter durante todo o tempo de
repressão. A agonia de saber que o filho é refém desse sistema, tendo a idéia
de que não se pode fazer nada para mudar o percurso das ações, representa de
certa forma uma espécie de tortura
constante na vida da personagem. Os diálogos entre as personagens deixam
claro a idéia do sentimento de medo e pânico vivenciados no cotidiano das pessoas, sobretudo, nos
próprios militantes políticos que passaram pela experiência das sessões de
tortura. Como podemos perceber no diálogo do marcante reencontro do segundo
Bruno com Açucena, na tentativa de encontrar uma pista pelo desaparecimento do
Luís: “O que é que a senhora quer comigo? Quer ver as marcas do pau-de-arara
nos meus pulsos? Ou que ver os sinais dos choques elétricos no meu pau?” (p.
83)
Por outro lado a manifestação da
tortura é encarada como forma de ordem, pois para os representantes do sistema
político somente através do uso da
violência se tem a ordem social no país. Porque “a tortura, no vocabulário deles, era tática.
Tinha seus incompreensíveis códigos.” (p. 87) Portanto, manter a ordem para os
opressores significa calar a voz de todos aqueles que se manifestam contra o
regime, mesmo que, seja necessário fazer o uso da violência.
Para Bruno seria em vão a tentativa de Açucena encontrar
alguma informação com os militares, já que são eles os responsáveis pelo
desaparecimento de Luís:
Respondeu que era inútil procurar esses informações
entre os militares. Estavam em guerra imaginária contra um punhado de jovens
inconformados com a falta de liberdade e a miséria. Debruçavam-se sobre mapas e
assinalavam com setas os adolescentes já destruídos. (p. 87)
Ainda sobre a ótica dos opressores
podemos destacar o uso da omissão e da própria mentira a respeito da verdade. A
maneira sórdida conduzida pela voz do “general” deixa claro a capacidade de se
criar estórias e situações que levam à vítima ao pleno sentimento de abandono
de sua causa. Açucena, na tentativa de uma informação sobre o desaparecimento
do filho se vê perdida num mundo de
lágrimas pelo descaso das autoridades:
- Minha senhora, eu lhe dou minha palavra: não temos
notícia de seu filho. Ele não terá fugido com alguma bailarina ou, pior ainda,
com algum bailarino?
Notou que lhe fora rude e disse que era apenas uma
pilhéria.
- Minha senhora, posso lhe jurar. (p.75)
Nesse
momento a personagem tem o primeiro choque com a realidade, pois os caminhos
que supostamente a levaria ao encontro do filho tornavam-se cada vez mais
difíceis. Os tempos do “horror” começam
a ser proclamados na sua vida. Como
podemos observar através do diálogo de Argemiro:
O Dr. Martins diz que não existe mais barreira nenhuma
entre a realidade e a fantasia do horror. Romivaldo, meu pai, tinha um código
de valores muito simples. Mas agora não existe mais o não-pode. Eles podem
tudo. (p. 78)
O
que podemos depreender no momento presente da enunciação é a total situação de
desconforto que o texto provoca no leitor. Que diante de uma realidade trágica
existe a defesa de que não podemos nos calar e omitir à verdade. O efeito que a
tortura provoca no sujeito mostra, em alguns momentos, o quanto o homem se
sente impotente perante as ações do sistema opressor. A ilusões perdidas de
alguns jovens militantes demonstram o fracasso de uma geração inteira, movida
pelos sonhos de mudança, a se lançar
para o próprio precipício:
Posso lhe pedir mais um favor? – disse ele. – Se
encontrar alguns dos loucos, um dos amigos de Liminha, um desses que estão se
rearticulando, diga que parem. Que vão puxar fumo. Escrever sam-enredo de
carnaval. Converter-se ao zen-budismo. Mas o que estão fazendo é suicídio.
(p.98)
O
que fica dessa passagem é a reflexão do personagem-militante Bruno à respeito da
militância política, pois, para ele, continuar na luta, significa caminhar para
morte. A força dos opressores provoca no espírito dos militantes um sentimento
de repulsa contra esse mundo violento. Assim como explicita o narrador do
romance Em câmara lenta, na tentativa
de afirmar o quanto havia por parte dos militantes o clima de desesperança com
relação a continuar na luta contra o
regime, pois com a morte de muitos companheiros torna-se inútil o perigo: “Para
que continuar se não há mais esperança? Se já se sabe que os gestos se despiram
de tudo e são apenas aquilo que parecem: gestos. Para que continuar?” (p. 139)
A figura do torturador na obra simboliza a
veracidade da violência física cometida contra os oprimidos, pois a presença do
Militão não representa somente a figura
do carrasco, mas sim, a do próprio grito de “suplício” de se rogar pela vida.
Ele desperta nos oprimidos o medo, o terror, a força, porém, era através dessa
representação de horror que os oprimidos sustentavam o ódio para continuar na
luta. As sessões de tortura comandadas pelo Militão não visa somente atingir o
corpo, pois, na verdade, a intenção do opressor é buscar a alteração dos
nervos. “Preserva-se o corpo e atingir-se a alma, enfraquecendo-se o psiquismo”
(Aspectos Jurídicos-Penais da tortura, p.p. 112-123) . É necessário que o corpo
esteja em plena resistência para o oprimido curvar-se diante do poder.
O
encontro de Açucena com o torturador deixa claro o espírito de homem frio,
calculista e racional. A linguagem
empregada pelo torturador era de caráter irônica, pois o carrasco sempre partia
da agressão física para a moral. É
através do diálogo do próprio torturador que temos a dimensão do seu caráter,
comportamento e sentimento perante à vida, na tentativa de refletir, através de
suas ações, os diversos papéis assumidos por ele no contexto da obra. O
primeiro deles é presença do homem violento sem caráter, totalmente privado de
humanismo. O segundo observamos a origem de sua formação (pobre), o seu papel
de marido, o profissional. O terceiro visa o
comportamento diante da vítima, pois em alguns momento percebemos por
parte do agressor o caráter de escolha em se torturar uma determinada pessoa,
como no caso de Bruno, no qual o agressor nutria uma dose de afetividade. Pois
somente pelo fato de ter arrancado as primeiras confissões do torturado, se
considerava com plenos poderes sobre à vítima. Além disso, também existia um
certo prazer especifico em tortura-lo:
Na prisão, me afeiçoei a Bruno. Ele passou a ser “meu
preso”. Cheguei a me indispor com os militares por causa dele. Sabe, eu tinha
chegado primeiro. Fui eu que o prendi, não eles. Fui mais esperto. Escondi-o
numa certa casa, num sítio. Os militares diziam: “Sabemos que está em suas
mãos. Entregue.” Mas eu queria obter primeiro as confissões. Isso chegou a ser
tão importante para mim como obter primeiro o corpo de uma mulher. Entende?...
Bruno, para mim, é um modelo da natureza humana: um dia herói, no outro, filho
da puta. (p. 108)
Outro
dado importante a ser abordado é a questão das várias maneiras utilizadas pelo
agressor como formas de tortura física. Há na obra várias passagens que
exemplificam com bastante “impacto” o momento de tortura. Os vários métodos utilizados para a agressão
são apresentados de forma desconcertante , pois a cada apresentação das cenas
fica claro a maneira brutal que os torturados se submetiam, desde o uso de
objetos, ao emprego de narcóticos, intimidação, e a insegurança com que possa
acontecer a qualquer momento a si ou a familiares, e também ao uso de aparelhos específicos para a agressão. Além disso, é claro, do uso em conjunto de surras e choques
elétricos:
Foi morto com sal. Todos os dias o obrigavam a engolir
punhados de sal. Inchou feito um balão, tinha dores renais horrorosas. Não lhe
davam analgésico e acabaram por lhe negar água. Teve uma morte horrível. (p.
167)
Ou,
quando na forma de tortura psicológica, na tentativa de reproduzir o grito de
terror da vítima: “Já lhe tiraram todas
as unhas... Olhe, hoje ele já mijou sangue.” (p. 122) Passagem na narrativa que
apresenta o telefonema anônimo, recebido por Açucena, de um suposto soldado que
afirmava saber sobre Luís. Nesse caso a tortura psicológica é utilizada como
reforço a sessão de tortura vivenciada pela personagem durante a narrativa,
pois costuma-se atemorizar a vítima com a alegação de que seus parentes estão
sendo torturados. Entretanto, a representação da tortura física, destaca o relato de Bruno a cerca do aparelho de tortura utilizado pelo
Militão para a agressão. Ao tentar definir o sentimento de dor e agonia da
companheira torturada, ele assim se exprime:
A moça se chamava Esperança. Militão colocara-lhe o
crânio num torniquete. Fora apertando devagar a roldana. Dois fios de sangue e
muco corriam do nariz de Esperança Ela não podia mais uivar e só resfolegava;
estalou a arcada dentária, alguns dentes surgiam na ponta da língua enegrecida.
Os ossos da cabeça quebravam com som seco de madeira, a serragem dos miolos
irrompia dos ouvidos. Mas Militão se surpreendeu quando um olho da moça – o
olho direito – lhe saltou da órbita e caiu no colo. Ficou ali, gelatinoso um
globo espantoso fitando-o, olhando ainda. (p. 105)
Nesse
momento é construída na narrativa a metáfora do “Olho de Esperança”. (p.107) É
através desse olhar que a personagem-narradora constrói a imagem do torturador
pela primeira vez na condição de torturado. O olhar de Esperança passa a
representar o olhar da própria verdade, o olhar atento “visto por tantos
olhos”, assim como os dela, capaz de anunciar ao mundo todo sentimento de
injustiça. Pois, assim como “o olho de Deus” tudo vê, o olho de Esperança também vê a verdade das coisas. Da
mesma forma que Em câmara lenta, a
personagem militante (ela) também representa a morte de todos os outros
companheiros, que assim como ela, lutaram por mundo mais justo, porém, o que
restou de tudo isso foi a morte da esperança, dos gestos e ações.
Há
no texto várias passagens que remetem ao pensamento bíblico como forma de
ilustração do sofrimento dos oprimidos, pois assim como Jesus Cristo morrera na
cruz – na luta pela verdade – , Luís e
muitos outros militantes também morrera por ela. Assim como se exprime a carta
com o relato dos últimos momentos de Luís sob o efeito da tortura: “Seu filho,
minha senhora, não chamou pelo seu nome
antes de morrer. Disse “água, água” e responderam “esse bandido pede água, como
Jesus Cristo!” (p. 222) Porque “o Evangelho é também a reportagem de uma
tortura.” (p. 159) Segundo a teoria do filosofo Nietzsche acrescenta que
“Cristo também foi um transmutador de idéias e de princípios...uma transmutação
profunda que atingia os instintos das massas oprimidas nas províncias.”
(Vontade de potência, p. 45) Ou seja, Cristo foi um verdadeiro revolucionário
pelas causas justas do homem. E quando Açucena tenta aludir a
imagem de “Nossa Senhora” (mãe de Jesus)
como retratato do sofrimento de todas as
mãe “desgraçadas” pelo filho desaparecido: “Maria não se afastou do local do
crime e as mães deste continente são muito mais desgraçadas do que a Mãe de
Deus, porque não recebem nem o cadáver de seus filhos”. (p. 166) Em verdade,
trata-se da representação da força que existe no espírito do sentimento de mãe,
em se lutar por justiça. Como mostra o documento apresentado pelo Dr. Martins a
respeito do sofrimento, de tantas outras mães, assim como Açucena, vivem o
drama de terem o filho desaparecido pelo regime político:
“As mães rodam a porta das delegacias e dos quartéis à
procura dos filhos. Reúnem documentos e
os enfiam por baixo da porta dos generais, para que as mulheres deles leiam e
fiquem sabendo do desespero das mães dos torturados. Vão aos encontros internacionais
de direitos humanos e gaguejam em idiomas desconhecidos sua espantosa história.
Reúnem-se em praças, como se fossem lobas numa jaula, e levantam um estandarte,
pedindo pelos filhos. As forças ditas leis mandam que se dispersem, mas os
úteros não debandam, não conseguem debandar...” (p. 165)
É
nessa atmosfera de terror e agonia, que a temática da tortura é construída na
obra, pois a autora mostra através da dor da personagem Açucena, o quanto essa
realidade se fez presente no sistema político da época. As inúmeras imagens
violentas que compõe a obra representa o choque de toda uma ideologia marcada
por ilusões de se mudar o mundo. A violência política representada pelas ações
ilegais dos governantes, marcou o período do uso da tortura no país. Como
mostra o desfecho da narrativa o relato doloroso da carta do estudante
Alexandre Parlussi (brasileiro, estudante de engenharia), para Açucena,
narrando os últimos dias da vida de Luís sob o efeito da tortura:
Não procure mais seu filho. Ele morreu na semana
passada, sob tortura. Posso lhe garantir isso porque fui torturado durante
semanas, ao lado dele. Na última sessão, já estava tão fraco que não podia
manter a boca fechada; e eu via a língua dele roxa e inchada, entre os dentes
partidos. Ainda assim, essa boca não se abriu para entregar ninguém. Não o
castraram como fizeram a tantos de nós. Nem lhe arrancaram os olhos à ponta de
faca como aconteceu à pobre da Esperança, em Pernambuco. Mas recebeu
inumeráveis choques no corpo todo e não podia mais andar. (p. 222)
A linguagem agonizante
aplicada na narrativa como fruto dos
vários gestos violentos cometidos pelas ações das personagens. Que o tempo
todo, através dos seus diálogos diretos provocam no leitor a sensação de
vertigem, que nos transmite o relato desses dias de pavor, simbolizam a medida exata do sofrimento
humano.
1.2- A
representação do exílio no romance O
estandarte da agonia.
A
representação do exílio na obra transcende ao seu significado no que poderíamos
definir na intriga o sentido real da palavra. Em verdade, trata-se da
ilustração simbólica que o termo nos oferece, na tentativa de mostrar a medida
exata da representação do sujeito no pleno abandono de si mesmo. Mergulhado no
mar de solidão que o isolamento lhe impõe na condição de homem atuante e
combatente contra esse sistema político injusto, comandado pelo turbilhão da
luta política-ideológica do mundo capitalista.
O
recluso das personagens em ambientes extremamente limitados, impostos pelas
leis dirigentes dos governantes, mostra o quanto a ausência da liberdade
comandou os direitos de ir e vir do sujeito, tornando-o sufocado dentro do que
se entende, por cada um, a idéia própria de mundo interno e externo do ser. Açucena,
a filha rejeitada pelos pais e, a mãe desesperada a procura do filho querido,
assim se exprime do que poderíamos chamar a representação da figura do próprio
isolamento. No primeiro plano pela ausência da liberdade nas próprias
dependências do “ aconchego do lar”, pois o espaço era totalmente limitado a
personagem, que vivia sob às leis impostas pela mãe Estela – dominadora e
opressora da família –, a responsável pela crise do eu interior, que levava-a a
refletir sobre sua própria existência como ser presente no mundo, assim como, o
amor idealizado por Bruno – fruto da própria imaginação. Já no segundo plano
temos como objeto de análise o casamento sem amor com Pedro, que representa a
ausência do sentimento de amor, a falta de interesse pelos seus problemas e a
prisão do lar – imposto pelo isolamento da casa comprada pelo marido:
“Agora, encalhara definitivamente naquela casa da Usina da Tijuca, encravada no
topo de três lances de escadas, à beira da floresta do Sumaré. Ali, eu
envelheceria, cercada de samambaias choronas tanto quanto de esperanças
naufragadas.” (p.17) Entretanto, é através do terceiro plano que a personagem
se vê totalmente paralisada com essa ausência de liberdade. Pois pelo fato de
não poder mudar o destino trágico do filho – penalizado pelas leis do
sistema opressor – , Açucena, se vê perdida no mundo em pleno abandono de
causa.
Os
limites impostos à liberdade declara a existência complicada e sofrida do
sujeito, que diante da realidade se submete ao próprio anulamento para defender
as causas políticas de um mundo mais justo para todos, lançando-o de vez
na clandestinidade, como forma de luta pela verdade. Mesmo que, para isso,
tenha que abrir mão da sua própria identidade física. Como a exemplo do romance
Em câmara lenta, que apresenta o
drama dos militantes políticos que viveram no próprio país, porém, se manteram
anônimos perante a sociedade e, confinados em “aparelhos” (casa
clandestina), no total isolamento. Tudo isso, para que o íntimo da pessoa
consiga sobreviver num dia-a-dia muito diminuído. Como definia a própria
personagem de Bruno: “Às vezes estou num ônibus e me sinto tão sufocado...” (p.
174), ou então, quando ele diz a Açucena em certa altura da narrativa: “Quero
ser um sujeito livre.”, afirmativa que exprime o desejo de querer freqüentar
normalmente o seu cineclub. Pois os pequenos prazeres e as necessidades
corriqueiras, nesse momento, podem virar um risco para o sujeito comum (o que
dirá o político), que a todo instante se vê limitado aos espaços, pois uma
simples ida ao cinema e ao teatro tornou-se uma atividade suspeita ao olhar
atento do sistema repressivo.
Outra forma de exílio simbólico que podemos definir na obra, é a questão do
próprio espaço da prisão, que muitas vezes alternava de acordo com a situação
do oprimido. Como por exemplo a personagem Alice (presa política) que “ apesar
de já ter recebido sentença, está no isolamento, na cela chamada “ratão”.” (p.
128) Cela assim chamada pelo fato de haver sempre muitos ratos que mordiam os
presos. O que nos faz refletir sobre o desespero que esse tipo de isolamento
venha a lançar no sujeito privado de sua liberdade. Além disso, existia os
cativeiros ou o que também podemos chamar de “laboratório de terror”, que são
simples casas, geralmente isoladas do centro da cidade, com a função de manter
sobre o comando alguns presos políticos, sobretudo, sob condição de total
sigilo. Como podemos observar na passagem que confirma ser essas casas
realmente cedidas a torturadores:
“Mas
existem também casas particulares para serem transformadas em locais de
suplício e morte. Acabamos de descobrir uma casa adorável em Petrópolis...Uma
casa cercada de hortências.” (p. 114)
O
exílio do sujeito marcado para a morte, comprova o total abandono do oprimido,
que o tempo todo só tinha como companhia a presença do torturador.
Portanto, situações como essas, definem o que poderíamos chamar de exílio
simbólico do sujeito. Porque tudo que representa a ausência de liberdade, de
certa forma, representa o isolamento. Ou seja, tudo é exílio.
2- O narrador dilacerado pelo sistema opressor.
A
angústia da personagem-narradora representa o drama de uma realidade marcada
pela ausência de liberdade. Ela representa na narrativa a figura de si mesma em
contato dialógico com a realidade de que trata, abrindo-se às vozes do outro,
como um sujeito comum às voltas com os acontecimentos que lhe transtornam a
vida.
Açucena, no papel de protagonista da estória relata a dor de uma mãe marcada
pelas injustas ações do sistema repressor, tendo como função “delatar” as
atrocidades cometidas pelos militares. Pois somente através da luta pela
verdade se obteria a esperança de um dia gritar por justiça.
O
espírito de militância adquirido no decorrer da sua caminha, ganha na obra todo
o sentido negativo com relação aos gestos cometidos para se chegar a verdade,
pois a personagem em contato com a dura realidade das ações dos jovens
militantes se vê perdida no mundo cheio de contradições e violências.
No
decorrer da narrativa a personagem deixa claro o seu posicionamento de
combatente do sistema opressor, na tentativa de expor todo o seu pensamento
político-ideológico a cerca dos acontecimentos. Como podemos confirmar a
através da ajuda do Dr. Martins (advogado), que conseguira um meio de “um
colunista francês escrevesse em seu jornal um artigo sobre a minha procura em
distritos, quartéis e necrotérios: “A Mãe-Coragem”.” (p.176) Pois talvez dessa
forma conseguiria atingir outros jornais e, quem sabe, também, moveria a
opinião pública sobre os acontecimentos.
Portanto, é nesse clima de opressão que a personagem-narradora relata todo o
seu desespero pela busca do filho, que apresenta como fruto das ilusões
perdidas o sofrimento de não poder fazer nada para mudar o sistema das coisas.
Referências Bibliográficas
____________________________________
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brasileira. 39ª ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
FERNANDES, Ana
Maria Babette Bajer; FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aspectos Jurídicos-Penais da tortura. São Paulo: Saraiva, 1982.
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