sábado, 11 de fevereiro de 2012

A tortura e o exílio na ficção.



Por Jacqueline Gaudard

         A tortura e o exílio, definitivamente, compõe o quadro do uso da violência política como forma de ordem social do novo regime político no Brasil.  Os romances O estandarte da agonia (Renato Tapajós), e Em câmara lenta (Heloneida Studart), buscam “delatar” esse período que correspondem o início da ditadura no país. Personagens como Açucena e Luís, estudantes, professores e intelectuais tinham como único inimigo o governo opressor, representante da burguesia. É através dessa atmosfera violenta que percebemos as ações dos jovens militantes da época, que   largaram tudo, até à vida, para lutar por mundo mais justo.
         O inconformismo dos jovens “com a falta de liberdade e a miséria” (O. E. A, p. 87) serve de material necessário para ilustrar o conflito vivido entre eles e os militares. A tortura passou a ser palavra de ordem na tentativa de paralisar as ações e os ânimos desses jovens enfurecidos contra as leis impostas pelo novo sistema político. Em O estandarte da agonia, a luta de Açucena por uma informação pelo desaparecimento do filho, mostra a dimensão do que foi a tortura no país, tanto no plano físico quanto no plano moral. Já na obra Em câmara lenta, percebemos o relato das ilusões perdidas de uma juventude cheia de sonhos, porém, disposta a ir até ao fim da luta, mesmo que fosse necessário morrer pela causa. Ou, até mesmo, pelos companheiros que foram torturados até a morte e, fiéis até o fim de suas vidas pelo espírito de mudança.
 A figura do “Militão” (o torturador) demonstra o quanto a violência física fez parte do regime político do atual contexto histórico da sociedade brasileira. As formas de violências físicas cometidas pela personagem do “Militão” é o que representa  de melhor a produção ficcional dos romances memorialistas, pois é através dela que percebemos essa dura realidade transportada para a literatura, com o intuito de promover no leitor o espírito critico e leva-lo à reflexão sobre o período de repressão.
         Todas as privações que afetavam a questão da liberdade são encaradas como uma espécie de tortura, pois o sujeito sufocado pelas leis dos dominantes se viam cada vez mais responsáveis em mudar o mundo. Cada gesto cometido por esses jovens engajados na luta política, representavam a esperança de que no futuro tudo poderia ser diferente. De que todos pudessem viver num mundo mais justo. E por esse lema de “justiça”, de paramos-nos em um verdadeiro mar de sangue o que foi a tortura no país.
         Além disso, o universo ficcional conduzido pelo viés da representação da tortura é a questão que nos leva a refletir como cada personagem se vê envolvido com a política , pois observamos que o aprendizado político adquirido por cada um deles é levado até as últimas conseqüências.
         O exílio representa na ficção outro aspecto central para a composição da violência política do regime, pois de certa forma ele completa o significado das diferentes formas de torturas aplicadas em nosso país. Tanto de maneira simbólica ou no sentido real de seu significado, o exílio fez parte do contexto temático dos romances Em câmara lenta e O estandarte da agonia, procurando ilustrar de forma ampla o que representou esse tipo de tortura no indivíduo combatente. O isolamento do sujeito nos romances leva o leitor a refletir sobre o drama entre existir enquanto sujeito presente no mundo e homem político e atuante na sociedade.
A tortura, seja ela de qualquer forma, fazia parte da lógica do sistema e conduzia as ações radicais de militares e civis. Contribuindo como matéria literária para a criação do universo ficcional da literatura brasileira.

 

 1.1- Eles podem tudo: A representação da tortura no romance O estandarte da agonia.


"A tortura deixa marcas para sempre. Acho que a tenho colocado em um compartimento do meu cérebro, deixando-a quieta. Mas, durante dez anos, após ser solto não voltava ao assunto com tranquilidade"
Renato Tapajós, cineasta


         O universo ficcional do romance é marcado pelo drama da personagem-narradora, Açucena, em se buscar a verdade a respeito do desaparecimento do seu filho Luís (o Liminha). A partir do desaparecimento de Luís que percebemos a discussão da temática da tortura tomar sentido na obra. Como ela mesma se exprime: “Eu sou torturada todas as horas.” (p. 174) A partir deste momento sua vida torna-se um “suplício”, caos profundo. É a partir daí que tudo passa a ser conduzido pelas ações da tortura, que o tempo todo se faz presente no decorrer da narrativa. É ela que caracteriza as ações da personagem, que move à vida e que leva aos gestos violentos. Também é através dela que percebemos o quanto essas ações são cercadas de elementos contraditórios, pois o sujeito privado de suas ações,  ganha, através dela,  forças para continuar na luta contra o sistema opressor. Açucena, debilitada pela luta da busca do filho ainda consegue afirmar que diante de tudo o “pior é que não posso desmaiar ou morrer”, pois é necessário se manter forte para continuar a caminhada.
         As várias imagens violentas ilustradas nos momentos de tortura com a personagem “Militão” (o torturador),  representa o horror vivido pelos oprimidos que a todo momento não consegue abstrair as imagens de dor e desespero provocados pelas ações da tortura. Como mostra a passagem do diálogo de Bruno (militante político) com a personagem principal:
                                     
A tortura não é um episódio passageiro, é um fenômeno permanente. Eu continuo com as minhas sessões de tortura. Às vezes estou num ônibus e me sinto tão sufocado como no dia em que me enfiaram um saco plástico na cabeça e começaram um processo de asfixia. (p. 174)

         O envolvimento da personagem com às questões políticas são  conseqüências da ausência de liberdade que ela teve que submeter durante todo o tempo de repressão. A agonia de saber que o filho é refém desse sistema, tendo a idéia de que não se pode fazer nada para mudar o percurso das ações, representa de certa forma uma espécie de tortura  constante na vida da personagem. Os diálogos entre as personagens deixam claro a idéia do sentimento de medo e pânico vivenciados  no cotidiano das pessoas, sobretudo, nos próprios militantes políticos que passaram pela experiência das sessões de tortura. Como podemos perceber no diálogo do marcante reencontro do segundo Bruno com Açucena, na tentativa de encontrar uma pista pelo desaparecimento do Luís: “O que é que a senhora quer comigo? Quer ver as marcas do pau-de-arara nos meus pulsos? Ou que ver os sinais dos choques elétricos no meu pau?” (p. 83)
         Por outro lado a manifestação da tortura é encarada como forma de ordem, pois para os representantes do sistema político somente através do uso da  violência se tem a ordem social no país. Porque  “a tortura, no vocabulário deles, era tática. Tinha seus incompreensíveis códigos.” (p. 87) Portanto, manter a ordem para os opressores significa calar a voz de todos aqueles que se manifestam contra o regime, mesmo que, seja necessário fazer o uso da violência.
Para Bruno seria em vão a tentativa de Açucena encontrar alguma informação com os militares, já que são eles os responsáveis pelo desaparecimento de Luís:

Respondeu que era inútil procurar esses informações entre os militares. Estavam em guerra imaginária contra um punhado de jovens inconformados com a falta de liberdade e a miséria. Debruçavam-se sobre mapas e assinalavam com setas os adolescentes já destruídos. (p. 87)

         Ainda sobre a ótica dos opressores podemos destacar o uso da omissão e da própria mentira a respeito da verdade. A maneira sórdida conduzida pela voz do “general” deixa claro a capacidade de se criar estórias e situações que levam à vítima ao pleno sentimento de abandono de sua causa. Açucena, na tentativa de uma informação sobre o desaparecimento do filho se vê perdida  num mundo de lágrimas pelo descaso das autoridades:
- Minha senhora, eu lhe dou minha palavra: não temos notícia de seu filho. Ele não terá fugido com alguma bailarina ou, pior ainda, com algum bailarino?
Notou que lhe fora rude e disse que era apenas uma pilhéria.
- Minha senhora, posso lhe jurar. (p.75)


         Nesse momento a personagem tem o primeiro choque com a realidade, pois os caminhos que supostamente a levaria ao encontro do filho tornavam-se cada vez mais difíceis. Os tempos  do “horror” começam a ser proclamados  na sua vida. Como podemos observar através do diálogo de Argemiro:

O Dr. Martins diz que não existe mais barreira nenhuma entre a realidade e a fantasia do horror. Romivaldo, meu pai, tinha um código de valores muito simples. Mas agora não existe mais o não-pode. Eles podem tudo. (p. 78)


         O que podemos depreender no momento presente da enunciação é a total situação de desconforto que o texto provoca no leitor. Que diante de uma realidade trágica existe a defesa de que não podemos nos calar e omitir à verdade. O efeito que a tortura provoca no sujeito mostra, em alguns momentos, o quanto o homem se sente impotente perante as ações do sistema opressor. A ilusões perdidas de alguns jovens militantes demonstram o fracasso de uma geração inteira, movida pelos sonhos de mudança, a se  lançar para o próprio precipício:

Posso lhe pedir mais um favor? – disse ele. – Se encontrar alguns dos loucos, um dos amigos de Liminha, um desses que estão se rearticulando, diga que parem. Que vão puxar fumo. Escrever sam-enredo de carnaval. Converter-se ao zen-budismo. Mas o que estão fazendo é suicídio. (p.98)


         O que fica dessa passagem é a reflexão do personagem-militante Bruno à respeito da militância política, pois, para ele, continuar na luta, significa caminhar para morte. A força dos opressores provoca no espírito dos militantes um sentimento de repulsa contra esse mundo violento. Assim como explicita o narrador do romance Em câmara lenta, na tentativa de afirmar o quanto havia por parte dos militantes o clima de desesperança com relação a continuar na luta contra o regime, pois com a morte de muitos companheiros torna-se inútil o perigo: “Para que continuar se não há mais esperança? Se já se sabe que os gestos se despiram de tudo e são apenas aquilo que parecem: gestos. Para que continuar?” (p. 139)
           A figura do torturador na obra simboliza a veracidade da violência física cometida contra os oprimidos, pois a presença do Militão não  representa somente a figura do carrasco, mas sim, a do próprio grito de “suplício” de se rogar pela vida. Ele desperta nos oprimidos o medo, o terror, a força, porém, era através dessa representação de horror que os oprimidos sustentavam o ódio para continuar na luta. As sessões de tortura comandadas pelo Militão não visa somente atingir o corpo, pois, na verdade, a intenção do opressor é buscar a alteração dos nervos. “Preserva-se o corpo e atingir-se a alma, enfraquecendo-se o psiquismo” (Aspectos Jurídicos-Penais da tortura, p.p. 112-123) . É necessário que o corpo esteja em plena resistência para o oprimido curvar-se diante do poder.
         O encontro de Açucena com o torturador deixa claro o espírito de homem frio, calculista e racional.  A linguagem empregada pelo torturador era de caráter irônica, pois o carrasco sempre partia da agressão física  para a moral. É através do diálogo do próprio torturador que temos a dimensão do seu caráter, comportamento e sentimento perante à vida, na tentativa de refletir, através de suas ações, os diversos papéis assumidos por ele no contexto da obra. O primeiro deles é presença do homem violento sem caráter, totalmente privado de humanismo. O segundo observamos a origem de sua formação (pobre), o seu papel de marido, o profissional. O terceiro visa o  comportamento diante da vítima, pois em alguns momento percebemos por parte do agressor o caráter de escolha em se torturar uma determinada pessoa, como no caso de Bruno, no qual o agressor nutria uma dose de afetividade. Pois somente pelo fato de ter arrancado as primeiras confissões do torturado, se considerava com plenos poderes sobre à vítima. Além disso, também existia um certo prazer especifico em tortura-lo:


 Na prisão, me afeiçoei a Bruno. Ele passou a ser “meu preso”. Cheguei a me indispor com os militares por causa dele. Sabe, eu tinha chegado primeiro. Fui eu que o prendi, não eles. Fui mais esperto. Escondi-o numa certa casa, num sítio. Os militares diziam: “Sabemos que está em suas mãos. Entregue.” Mas eu queria obter primeiro as confissões. Isso chegou a ser tão importante para mim como obter primeiro o corpo de uma mulher. Entende?... Bruno, para mim, é um modelo da natureza humana: um dia herói, no outro, filho da puta. (p. 108)



         Outro dado importante a ser abordado é a questão das várias maneiras utilizadas pelo agressor como formas de tortura física. Há na obra várias passagens que exemplificam com bastante “impacto” o momento de tortura.  Os vários métodos utilizados para a agressão são apresentados de forma desconcertante , pois a cada apresentação das cenas fica claro a maneira brutal que os torturados se submetiam, desde o uso de objetos, ao emprego de narcóticos, intimidação, e a insegurança com que possa acontecer a qualquer momento a si ou a familiares, e também ao uso de aparelhos específicos para a agressão. Além disso, é claro, do uso em conjunto de surras e choques elétricos:


Foi morto com sal. Todos os dias o obrigavam a engolir punhados de sal. Inchou feito um balão, tinha dores renais horrorosas. Não lhe davam analgésico e acabaram por lhe negar água. Teve uma morte horrível. (p. 167)


         Ou, quando na forma de tortura psicológica, na tentativa de reproduzir o grito de terror  da vítima: “Já lhe tiraram todas as unhas... Olhe, hoje ele já mijou sangue.” (p. 122) Passagem na narrativa que apresenta o telefonema anônimo, recebido por Açucena, de um suposto soldado que afirmava saber sobre Luís. Nesse caso a tortura psicológica é utilizada como reforço a sessão de tortura vivenciada pela personagem durante a narrativa, pois costuma-se atemorizar a vítima com a alegação de que seus parentes estão sendo torturados. Entretanto, a representação da tortura física, destaca o relato de Bruno a cerca do aparelho de tortura utilizado pelo Militão para a agressão. Ao tentar definir o sentimento de dor e agonia da companheira torturada, ele assim se exprime:



A moça se chamava Esperança. Militão colocara-lhe o crânio num torniquete. Fora apertando devagar a roldana. Dois fios de sangue e muco corriam do nariz de Esperança Ela não podia mais uivar e só resfolegava; estalou a arcada dentária, alguns dentes surgiam na ponta da língua enegrecida. Os ossos da cabeça quebravam com som seco de madeira, a serragem dos miolos irrompia dos ouvidos. Mas Militão se surpreendeu quando um olho da moça – o olho direito – lhe saltou da órbita e caiu no colo. Ficou ali, gelatinoso um globo espantoso fitando-o, olhando ainda. (p. 105)



         Nesse momento é construída na narrativa a metáfora do “Olho de Esperança”. (p.107) É através desse olhar que a personagem-narradora constrói a imagem do torturador pela primeira vez na condição de torturado. O olhar de Esperança passa a representar o olhar da própria verdade, o olhar atento “visto por tantos olhos”, assim como os dela, capaz de anunciar ao mundo todo sentimento de injustiça. Pois, assim como “o olho de Deus” tudo vê, o olho de  Esperança também vê a verdade das coisas. Da mesma forma que Em câmara lenta, a personagem militante (ela) também representa a morte de todos os outros companheiros, que assim como ela, lutaram por mundo mais justo, porém, o que restou de tudo isso foi a morte da esperança, dos gestos e ações.
         Há no texto várias passagens que remetem ao pensamento bíblico como forma de ilustração do sofrimento dos oprimidos, pois assim como Jesus Cristo morrera na cruz –  na luta pela verdade – , Luís e muitos outros militantes também morrera por ela. Assim como se exprime a carta com o relato dos últimos momentos de Luís sob o efeito da tortura: “Seu filho, minha  senhora, não chamou pelo seu nome antes de morrer. Disse “água, água” e responderam “esse bandido pede água, como Jesus Cristo!” (p. 222) Porque “o Evangelho é também a reportagem de uma tortura.” (p. 159) Segundo a teoria do filosofo Nietzsche acrescenta que “Cristo também foi um transmutador de idéias e de princípios...uma transmutação profunda que atingia os instintos das massas oprimidas nas províncias.” (Vontade de potência, p. 45) Ou seja, Cristo foi um verdadeiro revolucionário pelas causas justas do homem. E quando Açucena tenta aludir a imagem  de “Nossa Senhora” (mãe de Jesus) como retratato do sofrimento de  todas as mãe “desgraçadas” pelo filho desaparecido: “Maria não se afastou do local do crime e as mães deste continente são muito mais desgraçadas do que a Mãe de Deus, porque não recebem nem o cadáver de seus filhos”. (p. 166) Em verdade, trata-se da representação da força que existe no espírito do sentimento de mãe, em se lutar por justiça. Como mostra o documento apresentado pelo Dr. Martins a respeito do sofrimento, de tantas outras mães, assim como Açucena, vivem o drama de terem o filho desaparecido pelo regime político:


“As mães rodam a porta das delegacias e dos quartéis à procura   dos filhos. Reúnem documentos e os enfiam por baixo da porta dos generais, para que as mulheres deles leiam e fiquem sabendo do desespero das mães dos torturados. Vão aos encontros internacionais de direitos humanos e gaguejam em idiomas desconhecidos sua espantosa história. Reúnem-se em praças, como se fossem lobas numa jaula, e levantam um estandarte, pedindo pelos filhos. As forças ditas leis mandam que se dispersem, mas os úteros não debandam, não conseguem debandar...” (p. 165)


         É nessa atmosfera de terror e agonia, que a temática da tortura é construída na obra, pois a autora mostra através da dor da personagem Açucena, o quanto essa realidade se fez presente no sistema político da época. As inúmeras imagens violentas que compõe a obra representa o choque de toda uma ideologia marcada por ilusões de se mudar o mundo. A violência política representada pelas ações ilegais dos governantes, marcou o período do uso da tortura no país. Como mostra o desfecho da narrativa o relato doloroso da carta do estudante Alexandre Parlussi (brasileiro, estudante de engenharia), para Açucena, narrando os últimos dias da vida de Luís sob o efeito da tortura:


Não procure mais seu filho. Ele morreu na semana passada, sob tortura. Posso lhe garantir isso porque fui torturado durante semanas, ao lado dele. Na última sessão, já estava tão fraco que não podia manter a boca fechada; e eu via a língua dele roxa e inchada, entre os dentes partidos. Ainda assim, essa boca não se abriu para entregar ninguém. Não o castraram como fizeram a tantos de nós. Nem lhe arrancaram os olhos à ponta de faca como aconteceu à pobre da Esperança, em Pernambuco. Mas recebeu inumeráveis choques no corpo todo e não podia mais andar. (p. 222)



A linguagem agonizante aplicada na narrativa como  fruto dos vários gestos violentos cometidos pelas ações das personagens. Que o tempo todo, através dos seus diálogos diretos provocam no leitor a sensação de vertigem, que nos transmite o relato desses dias de pavor, simbolizam a medida exata do sofrimento humano.



1.2- A representação do exílio no romance O estandarte da agonia.


         A representação do exílio na obra transcende ao seu significado no que poderíamos definir na intriga o sentido real da palavra. Em verdade, trata-se da ilustração simbólica que o termo nos oferece, na tentativa de mostrar a medida exata da representação do sujeito no pleno abandono de si mesmo. Mergulhado no mar de solidão que o isolamento lhe impõe na condição de homem atuante e combatente contra esse sistema político injusto, comandado pelo turbilhão da luta  política-ideológica do mundo capitalista.
         O recluso das personagens em ambientes extremamente limitados, impostos pelas leis dirigentes dos governantes, mostra o quanto a ausência  da liberdade comandou os direitos de ir e vir do sujeito, tornando-o sufocado dentro do que se entende, por cada um, a idéia própria de mundo interno e externo do ser. Açucena, a filha rejeitada pelos pais e, a mãe desesperada a procura do filho querido, assim se exprime do que poderíamos chamar a representação da figura do próprio isolamento. No primeiro plano pela ausência da liberdade nas próprias dependências do “ aconchego do lar”, pois o espaço era totalmente limitado a personagem, que vivia sob às leis impostas pela mãe Estela – dominadora e opressora da família –, a responsável pela crise do eu interior, que levava-a a refletir sobre sua própria existência como ser presente no mundo, assim como, o amor idealizado por Bruno – fruto da própria imaginação. Já no segundo plano temos como objeto de análise o casamento sem amor com Pedro, que representa a ausência do sentimento de amor, a falta de interesse pelos seus problemas e a prisão do lar –  imposto pelo isolamento da casa comprada pelo marido: “Agora, encalhara definitivamente naquela casa da Usina da Tijuca, encravada no topo de três lances de escadas, à beira da floresta do Sumaré. Ali, eu envelheceria, cercada de samambaias choronas tanto quanto de esperanças naufragadas.” (p.17) Entretanto, é através do terceiro plano que a personagem se vê totalmente paralisada com essa ausência de liberdade. Pois pelo fato de não poder mudar o destino trágico do filho –  penalizado pelas leis do sistema opressor – ,  Açucena, se vê perdida no mundo em pleno abandono de causa.
         Os limites impostos à liberdade declara a existência complicada e sofrida do sujeito, que diante da realidade se submete ao próprio anulamento para defender as causas políticas de um mundo mais justo para todos, lançando-o  de vez na clandestinidade, como forma de luta pela verdade. Mesmo que, para isso, tenha que abrir mão da sua própria identidade física. Como a exemplo do romance Em câmara lenta, que apresenta o drama dos militantes políticos que viveram no próprio país, porém, se manteram anônimos perante a sociedade e,  confinados em  “aparelhos” (casa clandestina), no total isolamento. Tudo isso, para que o íntimo da pessoa consiga sobreviver num dia-a-dia muito diminuído. Como definia a própria personagem de Bruno: “Às vezes estou num ônibus e me sinto tão sufocado...” (p. 174), ou então, quando ele diz a Açucena em certa altura da narrativa: “Quero ser um sujeito livre.”, afirmativa que exprime o desejo de querer freqüentar normalmente o seu cineclub. Pois os pequenos prazeres e as necessidades corriqueiras, nesse momento, podem virar um risco para o sujeito comum (o que dirá o político), que a todo instante se vê limitado aos espaços, pois uma simples ida ao cinema e ao teatro tornou-se uma atividade suspeita ao olhar atento do sistema repressivo.
         Outra forma de exílio simbólico que podemos definir na obra, é a questão do próprio espaço da prisão, que muitas vezes alternava de acordo com a situação do oprimido. Como por exemplo a personagem Alice (presa política) que “ apesar de já ter recebido sentença, está no isolamento, na cela chamada “ratão”.” (p. 128) Cela assim chamada pelo fato de haver sempre muitos ratos que mordiam os presos. O que nos faz refletir sobre o desespero que esse tipo de isolamento venha a lançar no sujeito privado de sua liberdade. Além disso, existia os cativeiros ou o que também podemos chamar de “laboratório de terror”, que são simples casas, geralmente isoladas do centro da cidade, com a função de manter sobre o comando alguns presos políticos, sobretudo, sob condição de total sigilo. Como podemos observar na passagem que confirma ser essas casas realmente cedidas a torturadores:

“Mas existem também casas particulares para serem transformadas em locais  de suplício e morte. Acabamos de descobrir uma casa adorável em Petrópolis...Uma casa cercada de hortências.” (p. 114)


         O exílio do sujeito marcado para a morte, comprova o total abandono do oprimido, que o tempo todo só tinha como companhia a presença do torturador.
         Portanto, situações como essas, definem o que poderíamos chamar de exílio simbólico do sujeito. Porque tudo que representa a ausência de liberdade, de certa forma, representa o isolamento. Ou seja, tudo é exílio.


2- O narrador dilacerado pelo sistema opressor.


         A angústia da personagem-narradora representa o drama de uma realidade marcada pela ausência de liberdade. Ela representa na narrativa a figura de si mesma em contato dialógico com a realidade de que trata, abrindo-se às vozes do outro, como um sujeito comum às voltas com os acontecimentos que lhe transtornam a vida.
         Açucena, no papel de protagonista da estória relata a dor de uma mãe marcada pelas injustas ações do sistema repressor, tendo como função “delatar” as atrocidades cometidas pelos militares. Pois somente através da luta pela verdade se obteria a esperança de um dia gritar por justiça.
         O espírito de militância adquirido no decorrer da sua caminha, ganha na obra todo o sentido negativo com relação aos gestos cometidos para se chegar a verdade, pois a personagem em contato com a dura realidade das ações dos jovens militantes se vê perdida no mundo cheio de contradições e violências.
         No decorrer da narrativa a personagem deixa claro o seu posicionamento de combatente do sistema opressor, na tentativa de expor todo o seu pensamento político-ideológico a cerca dos acontecimentos. Como podemos confirmar a através da ajuda do Dr. Martins (advogado), que conseguira um meio de “um colunista francês escrevesse em seu jornal um artigo sobre a minha procura em distritos, quartéis e necrotérios: “A Mãe-Coragem”.” (p.176) Pois talvez dessa forma conseguiria atingir outros jornais e, quem sabe, também, moveria a opinião pública sobre os acontecimentos.
         Portanto, é nesse clima de opressão que a personagem-narradora relata todo o seu desespero  pela busca do filho, que apresenta como fruto das ilusões perdidas o sofrimento de não poder fazer nada para mudar o sistema das coisas.

Referências Bibliográficas

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