quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

POESIA: Cora Coralina - Pai e Filho

PAI E FILHO

Não são os filhos que nos devem. São os pais que devem a eles.

Estatuto do passado. Resquício do Pater Familias do Direito Romano - O pai tem todos os direitos e o filhos, todos os deveres. 
Assim era, assim foi. 
Hoje, sem precisar leis, nem decretos, nem códigos, pela força da evolução humana, através de séculos, vencendo resistências, ab-rogando artigos e parágrafos, se fez o inverso.
O pai tem todos os deveres e o filho todos os direitos. 
Princípio de justiça incontestado pelos próprios pais e juízes destes tempos novos.

Nego o amor dos pais do passado, salvante exceções.
O que eles sentiam era o orgulho da posse, o domínio sobre sua descendência.
Tudo, todos, judiciários e adultos. Sua hermenêutica sutil de leis, interpretação, a favor dos adultos.
Os adultos, pai ou mãe, levavam sempre o melhor. Aí estão os inventários antigos. Os velhos autos comprovando interesses mesquinhos, fraudes, despojando filhos menores, indefesos, de bens a eles devidos.
Na casa antiga, castigos corporais e humilhantes, coerção, atitudes impostas, ascendências férrea, obediência cega.
Filhos foram impiedosamente sacrificados e despojados.
E para alguma rebeldia indomável, lá vinha a ameaça terrível, impressionante da maldição mãe, a que poucas resistiam.
Do resto prefiro não esmiuçar.



Cora Coralina, Melhores Poemas, seleção e apresentação Darcy França Denófrio, 3ª ed. rev. e ampliada - São Paulo: Global, 2004.