segunda-feira, 30 de abril de 2012

Capitu : Beirut - Elephant Gun

                      


CAPITULO XXXII: OS OLHOS DE RESSACA

Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que contarei no outro Capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
--Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar um susto.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
--Há alguma cousa?
--Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a noite?
--Eu bem. José Dias ainda não falou?
--Parece que não.
-- Mas então quando fala?
--Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...
-- Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho.
--Teimo- hoje mesmo ele há de falar.
--Você jura?
--Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dane; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe,--para dizer alguma cousa,--que era capaz de os pentear, se quisesse.
--Você?
--Eu mesmo.
--Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.
--Se embaraçar, você desembaraça depois.
--Vamos ver.


Machado de Assis, Dom Casmurro (1899). 



Janis Joplin - Piece of my heart

                             

       

Piece Of My Heart

Oh, come on, come on, come on, come on!



Didn't I make you feel like you were the only man -yeah!
Didn't I give you nearly everything that a woman possibly can ?
Honey, you know I did!
And each time I tell myself that I, well I think I've had enough,
But I'm gonna show you, baby, that a woman can be tough.


I want you to come on, come on, come on, come on and take it,
Take it!
Take another little piece of my heart now, baby!
Oh, oh, break it!
Break another little bit of my heart now, darling, yeah, yeah,yeah.
Oh, oh, have a!
Have another little piece of my heart now, baby,
You know you got it if it makes you feel good,
Oh, yes indeed.


You're out on the streets looking good,
And baby deep down in your heart I guess you know that it ain't right,
Never, never, never, never, never, never hear me when I cry at night,
Babe, I cry all the time!
And each time I tell myself that I, well I can't stand the pain,
But when you hold me in your arms, I'll sing it once again.


I'll say come on, come on, come on, come on and take it!
Take it!
Take another little piece of my heart now, baby.
Oh, oh, break it!
Break another little bit of my heart now, darling, yeah,
Oh, oh, have a!
Have another little piece of my heart now, baby,
You know you got it, child, if it makes you feel good.


I need you to come on, come on, come on, come on and take it,
Take it!
Take another little piece of my heart now, baby!
oh, oh, break it!
Break another little bit of my heart, now darling, yeah, c'monnow.
oh, oh, have a
Have another little piece of my heart now, baby.
You know you got it -whoahhhhh!!


Take it!
Take it! Take another little piece of my heart now, baby,
Oh, oh, break it!
Break another little bit of my heart, now darling, yeah, yeah,yeah, yeah,
Oh, oh, have a
Have another little piece of my heart now, baby, hey,
You know you got it, child, if it makes you feel good.

Pedaço do Meu Coração

 

Oh, venha, venha, venha, venha !


Eu não te fiz sentir como se você fosse o único homem? Sim!
Eu não te dei quase tudo que uma mulher possivelmente possa dar?
Docura, você sabe que sim!
E a cada vez digo a mim mesma que eu, bem, acho que tive o bastante.
Mas eu vou te mostrar, baby, que uma mulher pode ser "durona".


Eu quero que você venha, venha, venha, venha e leve-o,
Leve-o!
Leve outro pedacinho do meu coração agora, baby!
Oh, oh, quebre-o!
Quebre outro pedacinho do meu coração agora, querido, sim, sim
Oh, oh, possua um!
Possua outro pedacinho do meu coração agora, baby,
Você sabe que pode, se isso te faz sentir-se bem,
Oh, sim, realmente.


Você está fora, nas ruas, parecendo bem,
E baby, bem dentro do seu coração, eu acho que você sabe que isso não é correto.
Nunca, nunca, nunca, nunca, nunca me ouve quando eu choro à noite,
Babe, eu choro o tempo todo!
E a cada vez digo a mim mesma que eu, bem, não consigo suportar a dor.
Mas quando você me segurar em seus braços, vou cantar mais uma vez.


Vou dizer: venha, venha, venha, venha e leve-o!
Leve-o!
Leve outro pedacinho do meu coração agora, baby!
Oh, oh, quebre-o!
Quebre outro pedacinho do meu coração agora, querido, sim.
Oh, oh, possua um!
Possua outro pedacinho do meu coração agora, baby,
Você sabe que pode, criança, se isso te faz sentir-se bem,


Eu preciso que você venha, venha, venha, venha e leve-o!
Leve-o!
Leve outro pedacinho do meu coração agora, baby!
Oh, oh, quebre-o!
Quebre outro pedacinho do meu coração agora, querido, sim.
Oh, oh, possua um!
Possua outro pedacinho do meu coração agora, baby,
Você sabe que pode - whooaaaaa


Leve-o!
Leve-o! Leve outro pedacinho do meu coração agora, baby!
Oh, oh, quebre-o!
Quebre outro pedacinho do meu coração do meu coração agora, querido, sim, sim, sim, sim...
Oh, oh, possua um!
Possua outro pedacinho do meu coração agora, baby, ei,
Você sabe que pode, criança, se isso te faz sentir-se bem.





Pablo Neruda - Poema

NÃO TE QUERO

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero, 

passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo. Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

(Pablo Neruda)

sábado, 28 de abril de 2012

BAUDELAIRE - LAS FLORES DEL MAL

                                 

     

O REPUXO

Que olhos exaustos, pobre amada!
Dorme sem pressa e sono teu
Nessa postura descuidada
Em que o prazer te surpreendeu.
Nó pátio, o repuxo que chora
E cuja voz não silencia
Vai modulando noite afora
O doce amor que me extasia.

O jorro soluçante
De úmidas flores,
Onde Febe esfuziante
Põe suas cores,
É qual chuva incessante
De agudas dores.

Assim a tua alma que acende
Da volúpia o ardente clarão 
Audaciosa e rápida ascende
Aos céus de infinita amplidão.
Depois se esfaz como quem morre
Numa triste e lânguida vaga
Que à borda de um abismo escorre
E todo o coração me alaga.

O jorro soluçante
De úmidas flores,
Onde Febe esfuziante
Põe suas cores,
É qual chuva incessante
De agudas dores.

Ó tu, que de noite és tão bela,
Como me é doce, no teu colo,
Junto à nascente ouvir aquela
Queixa sombria o eterno solo.
Lua, água clara, noite escura,
Ramos que arfais em derredor,
Vossa melancolia pura
É o espelho do meu amor.

O jorro soluçante
De úmidas flores,
Onde Febe esfuziante
Põe suas cores,
É qual chuva incessante
De agudas dores.

(Charles Baudelaire, As Flores do Mal, 1821 - 1867)



                             

Ismael Nery - pintor, poeta e filósofo


Confissão

Não quero ser Deus por orgulho.
Eu tenho esta grande diferença de Satã.
Quero ser Deus por necessidade, por vocação.
Não me conformo nem com o espaço nem com o tempo,
Nem com o limite de coisa alguma.
Tenho fome e sede de tudo,
Implacável
Crescente.
Talvez seja esta a minha diferença de Deus
que tem fome e sede de mim,
implacável,
crescente,
eterna
— De mim, que me desprezo e me acredito um nada.




“Pertenço a esta espécie de homens que não constroem nem destroem, mas que dão a razão de toda a construção e de toda destruição.” 





Poema para Ela

Acabaram-se os tempos.
Morreram as árvores e os homens,
Destruíram-se as casas,
Submergiram-se as montanhas.
Depois o mar desapareceu.
O mundo transformou-se numa enorme planície
Onde só existe areia e uma tristeza infinita.
Um anjo sobrevoa os destroços da terra,
Olhando a cólera de um Deus ofendido.
E encontrou nossos dois corpos fortemente enlaçados
Que a raiva do Senhor não quis destruir
Para a eterna lembrança do maior amor.




Ismael Nery (Belém PA 1900 - Rio de Janeiro RJ 1934). Pintor, desenhista, poeta. Muda-se ainda criança para o Rio de Janeiro onde, em 1917, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Viaja para França em 1920 e freqüenta a Académie Julian. De volta ao Rio de Janeiro, no ano seguinte, trabalha como desenhista na seção de Arquitetura e Topografia da Diretoria do Patrimônio Nacional, órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Lá conhece o poeta Murilo Mendes (1901 - 1975), que se torna grande amigo e incentivador de sua obra. Em 1922 casa-se com a poeta Adalgisa Nery (1905 - 1980). Ismael Nery aplica à sua produção os princípios do Essencialismo, sistema filosófico que ele mesmo cria. Segundo Murilo Mendes, esse sistema diz respeito às concepções do artista sobre a abstração do tempo e do espaço. Em 1927, novamente na França, conhece Marc Chagall (1887 - 1985), André Breton (1896 - 1966) e Marcel Noll. A volta ao Brasil marca a fase surrealista de sua obra, a princípio por influência de Chagall. Em 1930, contrai tuberculose. Enfermo, seus trabalhos passam a revelar seu drama pessoal e a fragilidade do corpo. Falece aos 33 anos. Em 1948, uma série de artigos de Murilo Mendes publicados nos jornais O Estado de S. Paulo e Letras e Artes busca resgatar a obra plástica, literária e filosófica do artista. Esquecido, Ismael Nery, passa a ser valorizado em meados dos anos 1960 com exposições realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro.



Para a eterna lembrança do maior amor.

A Noiva do Poeta
A minha noiva se reparte toda nas minhas quatro amantes
Sara, Ester, Rute e raquel
Sara tem o seu ar e o seu corpo,
Ester a sua cor e os seus cabelos,
Rute tem o seu olhar e seu andar,
Raquel tem sua boca e sua voz,
A minha noiva magnífica só existe
Na minha imaginação.





quarta-feira, 25 de abril de 2012

Murilo Mendes - Poema Saudação a Ismael Nery

POESIA 


            E


                   FORMA











                                                                  


Namorados,Ismael Nery -1927.




Saudação a Ismael Nery 

Acima dos cubos verdes e das esferas azuis
um Ente magnético sopra o espírito da vida.
Depois de fixar os contornos dos corpos
transpõe a região que nasceu sob o signo do amor
e reúne num abraço as partes desconhecidas do mundo.
Apelo dos ritmos movendo as figuras humanas,
solicitação das matérias do sonho, espírito que nunca descansa.
Ele pensa desligado do tempo,
as formas futuras dormem nos seus olhos.
Recebe diretamente do Espírito
a visão instantânea das coisas, ó vertigem!
penetra o sentido das idéias, das cores, a tonalidade da Criação,
olho do mundo,
zona livre de corrupção, música que não pára nunca,
forma e transparência.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959