terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pixinguinha, o maior representante da música do povo.



         A música popular brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o índio, o branco e o negro. Como manifestação cultural mais sintomática, deu sinal de vida, ao final do século XVIII, nos principais centros urbanos da colônia, notadamente Rio de Janeiro e Bahia, entoada por homens simples que cantavam modinhas ao violão.

        Os chorões, nome que se dá aos músicos que tocam choro, surgiram na sociedade carioca em torno de 1870. A palavra choro resultou da “colisão cultural” entre “choro”, de chorar, e chorus, igual a “coro”, em latim. No início o termo designava o conjunto musical e as festas em que esses conjuntos se apresentavam, mas na década de 1910 já se usava o vocábulo choro para falar de um gênero consolidado. Hoje a palavra tanto pode ser usada nessa acepção como para designar um repertório de músicas que inclui ritmos.

        Esses grupos de instrumentistas populares executavam, ao sabor da cultura afro-carioca, os gêneros europeus mais em voga. O jeito de frasear foi cultuando nos cavaquinhos, violões e flautas a base do choro, os primeiros passos de nossa musicalidade. Os grupos de choro tocavam em todos os cantos da cidade: nas casas simples, da classe média e nos saraus da elite imperial. Os chorões foram os principais divulgadores da música do povo até o início do século XX, quando primeiro as bandas de música e o teatro de revista, e posteriormente o rádio, passaram a cumprir esse papel.





“Foi um verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os ‘batutas’ apareceram. Eram músicos brasileiros que vinham cantar nossas coisas brasileiras! Isso em plena Avenida [antiga Central e atual Rio Branco], em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos anêmicos, frequentadores de cabarets, que só falam francês e só dançam tango argentino! No meio do internacionalismo dos costureiros franceses, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres polacas, do snobismo cosmopolita e imbecil! [...] Não faltavam censuras aos modelos ‘oito batutas’. Aos heroicos ‘oito batutas’ que pretendiam, num cinema da avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, através de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismo, ao som espontâneo dos seus violões e dos seus cavaquinhos.” (Benjamim Costallat, escritor, jornalista e músico, 1887-1961, Gazeta de Notícias, 22 de janeiro de 1922.)


 
 


         O flautista Joaquim Antônio Callado (1848-80), considerado o pai dos chorões, os pianistas Ernesto Nazaré (1863-1934) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e o maestro Anacleto de Medeiros (1866-1907), fundador da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, compuseram quadrilhas, polcas, tangos, maxixes, xotes e marchas, fundando o que seriam os pilares do choro e da música popular carioca da virada do século XIX.



 Joaquim Antônio Callado


        Pixinguinha herdou toda essa tradição musical. E foi além. Firmou o choro como gênero musical, elevou o virtuosismo flautístico ao máximo e organizou vários grupos musicais; como arranjador, deu identidade à músicas popular da primeira metade do século XX e foi, disparado, o maior compositor de choro de todos os tempos. E ninguém há de falar mal do homem Pixinguinha: “Pixinguinha é o melhor ser humano que eu conheço. E olha que o que eu conheço gente não é fácil”, não cansava de dizer o poeta Vinícius de Moraes, parceiro do chorão em Lamento.


 
 Vinícius de Moraes e Pixinguinha


        Com mais de cem anos de vida, o choro constitui-se em nossa música popular mais refinada. Os chorões sempre foram os melhores instrumentistas da MPB: Dino Sete Cordas, os bandolistas Jacob do Bandolim e Luperce Miranda, os violinistas Meira e Raquel Rabello, os clarinetistas Abel Ferreira e Paulo Moura, o trompetista Raul de Barros e Zé da Velha, o cavaquinhista Waldir Azevedo são alguns exemplos de músicos que ficarão para sempre em nossa história musical.





 
     Não existe um grande compositor brasileiro que não tenha composto choro: Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobin, Caetano Velloso, Sivuca; até Raul Seixas, com seu Sessão das dez, contribuiu para o gênero. O choro é nosso ritmo mais nacional, tocado em todos os cantos do país, cultivado em clubes, quintais, bares e teatros; é “a alma musical do brasileiro”, segundo Villa Lobos. E Pixinguinha é a sua maior expressão!





 
Auto-retrato

Eu também nasci chorando
Como todo mundo nasce
E embora a chorar vivesse
Não chorei o que bastasse

No choro a vida passei
Com prazer e na labuta
Sustentei mulher e filho
Chorando fiz-me um batuta

Chorei muito choro alheio
Toquei maxixe e marchinha
Alfredo sou por batismo
Mas no choro Pixinguinha

Fiz música, fui maestro
Fui Ingênuo, Carinhoso
Soprei meu triste Lamento
E o meu riso mais gostoso

E assim o ciclo se fecha
Pois cumpri o meu papel
Pintei o choro na terra
Pra colher risos no céu





Fonte: Mestres da Música no Brasil - ed. Moderna
Texto: André Diniz (Professor Doutor em Literatura Brasileira - PUC-RJ, músico e autor de livros sobre a história do choro)

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