terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A flor e o espinho - Beth Carvalho e Hamilton de Holanda

                                             


A FLOR E O ESPINHO

Nelson do Cavaquinho



Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minh´alma à sua
O sol não pode viver perto lua


É no espelho que eu vejo a minha mágoa
A minha dor e os meus olhos rasos d´água
Eu na tua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em teu amor



domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Máquina do Mundo - Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Máquina do Mundo



Carlos Drummond Andrade

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seci; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exauta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e instituições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco o simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"Ou que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste...vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."

As mais soberbaspontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mão pensas.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

O poeta e a negação do mundo: A impotência do homem perante a Grande Máquina.


Por: Jacqueline Gaudard
 
          






    Não serei poeta de um mundo caduco
   Também não cantarei o mundo futuro  
 Estou preso à vida...
                            (“Mãos dadas”, SM)
        

O mundo é uma lama, mas o poeta através da penetração surda do “reino das palavras” consegue extrair o material necessário para colocar toda a sua indignação perante os acontecimentos que o cercam, pois, agora, ele têm “duas mãos” e o “sentimento do mundo”. É o sujeito abdicado da sua condição de gauche que conduz a poética. Trata-se da plena consciência da sua situação de homem presente no mundo, sobretudo, em face dos problemas de caráter coletivo que o homem atravessa, no momento de conflito do “dever-ser”, atuante em relação as suas perplexidades, misérias, anseios, angústias... Onde tudo é incerto, porém,  funciona como matéria que conduz à nova verdade.
         Os poemas Elegia 1938, Os ombros suportam o mundo e O congresso internacional do medo – ambos pertencentes ao livro Sentimento do mundo (1940) –, caracterizam todo o sentimento negativo do poeta, que vê o homem esmagado pela grande “máquina do mundo” que é o sistema capitalista. Nele observamos o cotidiano retratado de forma violenta, onde as emoções vivenciadas pelo sujeito poético, representam o verdadeiro sentimento de angústia do ser, em se fazer parte desse “mundo caduco” e cheio de contradições. É o eu retorcido  em forma de medo, desencanto, indiferença, certeza, compromisso, solidariedade e esperança que conduz a poética. É o “eu menor que o mundo” que se manifesta contra as atrocidades cometidas pelo homem no período entre guerras. É o eu que desabrocha o sentimento, marcado pela solidão, pela impotência do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o reduz a objeto.
         Em Drummond,  o que vemos é a reflexão poética girando em torno da visão anticapitalista, pois o poeta nega o mundo presente e assume um papel de engajamento das causas políticas ao “lutar com palavras” na difícil tarefa de combater a “Grande Máquina”, mesmo que a luta seja vã. A palavra, agora,  é instrumento de luta na obra, responsável pela grande contradição no seu “dever-ser” de homem, poeta e político:

ELEGIA 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
 
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
 
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
 
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
 
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
 
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
 
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

         
         O tom triste no qual é levado o poema Elegia 1938, é o retrato que caracteriza bem a insatisfação do poeta em relação ao sistema “terrível” da “Grande Máquina”. Sistema esse que aniquila o indivíduo ao nada, que reduz as suas forças de forma impotente como prova do seu poder de destruição. Partindo da idéia de coletividade o poeta proclama: “Trabalhas sem alegria para o mundo caduco/onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.” Portanto, o que observamos é um verdadeiro sentimento de rejeição desse mundo marcado por violentas “ações” que não inspiram nenhum exemplo a humanidade. Entretanto, a cidade está cheia de supostos “heróis” de bronze que insistem em louvar as suas virtudes, seus feitos, sua coragem, de homem combatente e fiel à pátria, pois com sua bravura foram levados pelo sistema à lutarem contra a própria humanidade, destruindo o mundo e a si mesmo. O poeta canta o horror da guerra e manifesta todo o seu sentimento de ironia com relação ao combatente, que depois de lutar por um sistema cruel e, defender os ideais que não representam o bem de todos como forma de contribuição para uma sociedade mais justa, servem como figuras que ilustram, nas praças, o exemplo de homens que não renunciaram e, que deram o seu sangue pela causa:
                    
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, 
e  preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio a concepção.   
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
        
         A “Grande Máquina” torna-se, definitivamente, a metáfora do mundo moderno e caótico, que leva o indivíduo a alienação e a tendência destruidora de si mesmo, adiando “para outro século a felicidade coletiva”. É ela que dita as regras do viver, do comportamento do homem, das ações, tornando-os semelhantes a ela. Pois é ela que o torna impotente a essa realidade, como ele mesmo diz: “Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição/porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.” Além disso, o que podemos depreender desses versos é o caráter emblemático que tornou-se a poesia, pois ela representa o cumprimento de uma profecia, que casualmente remete ao atentado do World Trade Center,  atentado esse que abalou as estruturas do mundo. Pois, o acontecimento faz, agora, parte de um novo ciclo da nossa atual história.
         O poema também nos remete para alteridade, no sentido de transmitir ao outro (diferente) a voz da exclusão, do sujeito desprovido dos direitos em quanto homem atuante nos problemas do mundo onde ele proclama que o sujeito: “Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra/e sabes que dormindo, os problemas te dispensaram de morrer.” É somente através da noite que o sujeito tem o poder de anular e destruir todos os problemas, pois dormindo ele se exime da árdua tarefa de resolve-los durante o dia, que persiste em o aniquilar em quanto ser existente no mundo, pois à noite “os problemas te dispensam de morre”. Porém, “o terrível despertar” lança-os novamente para a dura realidade do dia-a-dia em se viver o mundo, pois só  “prova a existência da Grande Máquina/e te repõe, pequenino em face de indecifráveis palmeiras. ”  Mas tendo o “coração orgulhoso”, ele não se permite em lutar contra essa estrutura econômica e sociopolítica, pois logo anuncia sua impotência diante dela e, confessa ter “pressa de confessar tua derrota”. E prossegue, assim, a praticar “laboriosamente”, os mesmos “gestos universais”, pois “sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.” O poema fala, que esses gestos, são frutos da constante repetição das ações dos homens, que não se cansam de repetir os mesmos erros de outrora. Portanto, o que fica no poema é a idéia de verdadeira dificuldade de se continuar a caminhada perante a esse sistema, que insiste em oprimir o homem com suas ações políticas de visão capitalista. 


OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossege
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
  
         Contudo, a poética drummondiana prossegue com o peso em que o mundo insiste em dar ao homem, pois, agora, somente “os ombros suportam o mundo”. Em verdade, o que vemos é o poeta em sua plena consciência de sujeito presente no mundo, pois diante de tantos problemas “os olhos não choram” mais e, suportam com o coração “seco” a dor da sua existência: “E o coração está seco.” Em “Os ombros suportam o mundo”, percebemos um tom de conformidade perante as coisas, pois “não adianta morrer” para escapar de suas misérias. A “vida” segue em “ordem”, sem nenhuma alteração de sentido das coisas que o cercam, é cíclica. O homem aprende que não adianta mais dizer “meu Deus”: “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus/Tempo de absoluta depuração.” Logo mais adiante, o poeta revela que o sentimento de “amor” tornou-se “inútil” com relação a tantas perplexidades cometidas através dos gestos violentos dos homens, proclamando ser: “Tempo em que não se diz mais: meu amor./Porque o amor resultou inútil.” Porém, as “mãos” continuam a tecer o “rude trabalho” da vida cotidiana.
         Neste poema, entretanto, o poeta ainda mantém a esperança da vida, pois ela “prossegue” como produto da sua condição de se “dever-ser” no mundo. A idéia de ser perdido no mundo não é mais absorvida como antes, no “Soneto da perdida esperança”, de BA, onde anunciava no seu primeiro verso: “Perdi o bonde da esperança.” É os acontecimentos que o faz mudar de posição diante do se pensar o mundo, pois ele não se cala. Mas tenta através de sua poética escandalizar, gritar e agredir esse mundo convencional que sufoca o ser entre o dever-ser e o que é.
         Além disso, a condição de poeta voltado inteiramente para vida ainda é defendida, sobretudo, quando  ele deixar de assumir a sua condição de exilado –  como sentido de fuga do sofrimento do eu abalado pelas coisas – , para se lançar “sozinho” no mundo, na vida:
                        
      Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
     Ficaste sozinho, a luz pagou-se,
     mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
     És todo certeza, já não sabes sofrer.
     E nada esperas de teus amigos.


         Portanto, ele volta-se inteiramente para a realidade da vida, consciente e certo de que “já não sabes sofrer”  perante os fatos do mundo e, que nada poderá esperar do homem. Em seguida, o poeta declara: “Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?/Teus ombros suportam o mundo/ e ele não pesa mais que a mão de uma criança.” A idade avançou e à morte se aproxima, porém, como uma espécie de medo da vida, das condições que ela oferece ao ser já cansado da sua caminhada. Ela representa uma angústia da sua descoberta, pois o mundo “não pesa mais que a mão de uma criança” em pleno começo da vida, sem nenhuma experiência da realidade do mundo que o cerca. O sujeito mesmo com o peso da sua idade suporta o mundo, mas o despertar de uma nova vida representa a angústia de reviver suas misérias e suas contradições: “As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios/provam apenas que a vida prossegue/e nem todos se libertam ainda.” Mesmo que o sujeito prefira à morte, ainda assim, não há a libertação dos seus males, pois o poeta proclama: “Chegou um tempo em que não adianta morrer”. Então a vida segue apenas, “sem mistificação”.

CONGRESSO INTENACIONAL DO MEDO 
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

         

           O medo da vida é o que conduz a poética, pois, agora, o poeta diz: “cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte/depois morreremos de medo”, não é o sentimento da morte que afligi o poeta, nem tão menos o sentimento de morte que o move, e sim, a idéia da vida que continua o seu percurso normal das coisas. Em Congresso internacional do medo, o poeta declara que “provisoriamente não cataremos o amor/que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos”. O amor não faz parte do mundo presente, pois a linguagem que prevalece é a do medo, por isso, percebemos o exílio desse sentimento que existe, mas não se faz presente e, está abaixo do subterrâneo. Logo adiante o poeta continua a declarar:  “Cantaremos o medo, que esteriliza os braços/não cataremos o ódio porque esse não existe”. Até o “ódio” não é suficiente para mover a indignação do sujeito, que vive esmagado pelo sentimento de medo, pois somente o medo tem o poder de paralisar os “braços”, o corpo, a vida. O medo tornou-se “pai” e “companheiro” na árdua tarefa de prosseguir o sentido da existência:


                                       Cantaremos o medo,
                                               .................................
            o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
            o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
            cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
            cantaremos o medo da morte e o medo depois da morte...


         O sujeito é sufocado pelo sentimento de medo, que paralisa os homens, sepulta-os no isolamento, impede a queda das barreiras e mantém o mundo caduco. Portanto, é esse sentimento que provoca a total paralisia do plano social e coletivo, em todos os seus níveis, lugares e grupos. Mesmo depois da morte o medo paralisa, pois “sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”
       Mais tarde a idéia do medo continuará a perseguir a poética drummondiana, no livro A rosa do povo, de 1945, no poema intitulado O medo, quando o poeta declara: “E fomos educados para o medo/Cheiramos flores de medo/Vestimos panos de medo.” É a temática do medo conduzindo a vida do sujeito no seu sentido de dever-ser no mundo. Pois como declara o critico literário Antônio Cândido na epígrafe do poema: "Porque há para todos nós um problema sério/Este problema é o do medo."
         Para terminar toda a ilustração do sentimento de rejeição perante a esse “mundo caduco” no qual o poeta se propôs a cantar, com toda a magia da palavra e transcendência do ser consciente do seu papel de dever-ser no mundo. O que fica é a percepção de homem combatente e atuante no mundo dividido pelas forças do sistema capitalista, que oprime e fere o homem no sentido mais trágico de sua existência.




Referências Bibliográficas

____________________________________
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 40ª ed. Rio de Janeiro, Record, 1993.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 39ª ed. São Paulo, Cultrix, 1994.
CORREIA, Marlene de Castro. Drummond a magia lúcida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
MORAES, Emanuel de. Drummond Rima Itabira Mundo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1972.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Poema Mundo Grande - Carlos Drummond de Andrade

                                                           

Carlos Drummond Andrade

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Parabéns, Unidos da Tijuca Campeã do Carnaval 2012 - O dia em que toda a realeza desembarcou na Aveni...

                                                       

O Dia Em Que Toda a Realeza Desembarcou Na Avenida Para Coroar o Rei 2012 

G.R.E.S Unidos da Tijuca (RJ)

A nobreza eu vou convidar
Brilhou uma estrela no céu
Um mestre nasceu pra reinar
Compondo o forró do borel "e vem, vem"
Vem, reis e rainhas pra viagem
Tem, pelo sertão que brilha "lua"
Esses sabores que me fazem bem
Oh! rei luiz, a luz gonzaga deste meu país
A comitiva continua, pra januário se orgulhar
Morena da um nó, o seu forróbodo
Faz a sanfona ecoar

No lombo do burro, a imagem na mão
No barro, na vida segue a devoção
Há luz no caminho romeiro de fé
Perdoa padinho vou pro arrasta pé

Maria bonita é porta bandeira
E viu lá na feira a volante então
Avise a corisco, pois ele é o braço
Do rei do cangaço lá vem lampião
Na dança das águas, saudade amarga "que nem jiló"
Oh! meu são francisco tece um poema
Na piracema um luxo só
Simbora meu povo
Tem festa de novo é coroação
Vai "asa branca" na rádio que toca
Bailando no meu coração

O rei do baião chegou à tijuca
E a pura cadência embala o som
Escuta o samba sacode a zabumba
Tempero arretado danado de bom

Gonzagão & Gonzaguinha - A vida do viajante (1979)

                                                       

A Vida do Viajante

Luiz Gonzaga

Minha vida é andar
Por esse país
Pra ver se um dia
Descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras por onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei.

Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
E a saudade no coração

Minha vida é andar...
Mar e terra
Inverno e verão
Mostra o sorriso
Mostra a alegria
Mas eu mesmo não
E a alegria no coração

Minha vida é andar...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Origem das Máscaras de Carnaval.

No Ocidente, a máscara foi utilizada primeiro na Grécia Antiga, todos os anos, durante as festividades de Dionísio, o deus do vinho e da fertilidade. Como o vinho vem do suco da uva, e tem de ficar pelo menos três meses fechado num recipiente para ficar pronto, essas festas aconteciam logo depois que se abriam os barris produzidos no ano anterior. Nessa data, todos bebiam, cantavam e dançavam. Dizem que essas festividades dos povos antigos deram origem ao carnaval. Nas cerimônias para o deus Dionísio, por exemplo, usava-se a máscara e acreditava-se que ele estaria presente entre as pessoas durante a festa.

O teatro é a arte que explorou frequentemente a magia das máscaras. No Japão, por exemplo, utilizam-se máscaras no palco até hoje para marcar bem as características dos personagens. Em muitas culturas ditas primitivas da África, da América e do Oceano Pacífico, as máscaras são usadas em cerimônias religiosas. São feitas de diversos materiais naturais como madeira, fibras, palhas, barro, chifres, conchas, plumas, peles de animais, pedras, tecido ou espiga de milho, entre outros. Em algumas tribos indígenas, por exemplo, cabe aos índios mais idosos usá-las durante rituais para curar doentes, espantar maus espíritos ou celebrar casamentos e ritos de passagem - cerimônias nas quais os meninos e as meninas do grupo passam da infância para a idade adulta.

Hoje em dia, ainda utilizamos máscaras em festas. Uma das datas em que elas aparecem é o Dia das Bruxas, Halloween, comemorado no dia 31 de outubro, principalmente nos Estados Unidos. Nesse dia, as pessoas usam máscaras e fantasias inspiradas nos filmes de terror e saem às ruas com a intenção de assustar os outros. Outra festa de máscaras bastante marcante acontece em fevereiro, no Brasil. É o Carnaval, quatro dias de alegria durante os quais os foliões se fantasiam e usam máscaras para brincar e dançar. Agora, é só escolher a sua máscara e curtir o Carnaval!!! Segue aí alguns modelos de máscaras, cada uma mais linda do que a outra:



  




Máscaras Venezianas





 












































quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Máscara Negra com Dalva de Oliveira.wmv

                                                                 

Máscara negra 

Dalva de Oliveira

Tanto riso, oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Foi bom te ver outra vez
Tá fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
A mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mário de Andrade: Precisamos ser nacionais para que possamos ser universais.

Um dos criadores do modernismo no Brasil, Mário Raul de Morais Andrade era de família rica e aristocrática. Formou-se no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde seria professor.

Seu trabalho com a literatura
começou bem cedo, em críticas escritas para jornais e revistas.

Em 1917, publicou o primeiro livro, versos assinados com o pseudônimo Mário Sobral: "Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema".


Em 1921, Oswald de Andrade
(depois de ter lido os originais de "Paulicéia Desvairada", que seria lançado em 1922) escreveu para o "Jornal do Commercio" um artigo em que chamava Mário de "meu poeta futurista".

Junto com Oswald e outros intelectuais, Mário ajudou a preparar a Semana de Arte Moderna de 1922. No segundo dia de espetáculos, durante o intervalo, em pé na escadaria do Teatro Municipal, leu algumas páginas de seu livro de ensaios "A Escrava Que Não É Isaura". O público, despreparado para a ousadia, reagiu com vaias.


"Amar, Verbo Intransitivo" (1927), o primeiro romance, desmascara a estrutura familiar paulistana. A história gira em torno de um rico industrial que contrata uma governanta (a Fräulein) para ensinar alemão aos filhos. Na verdade, tudo não passa de fachada para a iniciação sexual do filho mais velho.


 


Em "Clã do Jabuti" (também de 1927), Mário mostra a importância que dá à pesquisa do folclore brasileiro, tendência que atingirá seu ponto alto no romance "Macunaíma" (1928), no qual recria mitos e lendas indígenas para traçar um painel do processo civilizatório brasileiro:

"No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma".


Na musicologia, seu "Ensaio Sobre a Música Brasileira" (1928) influenciou nossos maiores compositores contemporâneos, nomes como Heitor Villa Lobos
, Francisco Mignone, Lorenzo Fernández, Camargo Guarnieri.

Como contista, os trabalhos mais significativos de Mário de Andrade acham-se em "Belazarte" e "Contos Novos". O primeiro livro mostra a preocupação do autor em denunciar as desigualdades sociais. O segundo se constitui de textos esparsos (reunidos em publicação póstuma), mas traz os contos mais importantes, como "Peru de Natal" e "Frederico Paciência".


Mario de Andrade lecionou por algum tempo na Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e exerceu vários cargos públicos ligados à cultura, no que sobressaía seu lado de pesquisador do folclore nacional. Teve ainda participação importante nas principais revistas modernistas: "Klaxon", "Estética" e "Terra Roxa e Outras Terras".


Morreu de ataque cardíaco, aos 51 anos. Sua obra poética foi reunida e publicada postumamente em "Poesias Completas".




Aceitarás o amor como eu o encaro ?...


Aceitarás o amor como eu o encaro ?...

...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.


Tudo o que há de melhor e de mais raro

Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.


Não exijas mais nada. Não desejo

Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.


Que grandeza... a evasão total do pejo

Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.




Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...





Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.




 


"Nunca leio ataques à minha obra nem cartas anônimas. Só leio elogios. Quando me perguntam a razão desse método, respondo que leio os elogios porque eles não me impedem de guardar a opinião que tenho sobre minhas próprias obras; não leio os ataques porque podem ser verdadeiros e não leio as cartas anônimas porque tenho receio de modificar o juízo otimista que faço da humanidade."


"A crítica, entre nós, ainda é deficientíssima e os nossos críticos são mais ou mnos improvisados e raríssimos são entre eles os que têm a cerdadeiracultura filosófica e artística. Em geral, são indivíduos muito lidos, mas é preciso não confundir muita leitura e cultura. Se nós tivéssemos uma verdadeira crítica literária no país, esta se preocuparia mais em não permitir que subissem a uma grande consideração certos artistas de improviso, muito talentosos (aliás, os brasiléÍros em geral têm muito talento), mas desprovidos de qualquer possibilidade de arte. O resultado é que estes artistas de improviso começam a inventar uma porção de desculpas que justifiquem a inexistência de arte nas suas obras..."



Fonte: LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: Entrevistas e depoimentos. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor. 1983 e educação.uol.com.






Máscara Negra com Dalva de Oliveira.wmv

Carnaval antigo e marchinhas, na cidade do Rio de Janeiro, início da década de 50.

                                                     


Carnaval na Cinelândia e na Vila Duran em Botafogo no Rio de Janeiro Brasil, Fantasias, Músicas, marchinhas, carros, penteados e roupas da época. Muito bom este documentário!!!

A Brasileira, de Chiquinha Gonzaga - Adriana Calcanhoto, canto e Maria Tereza Madeira, piano.

                                                  

A Brasileira 

Chiquinha Gonzaga

Eu adoro uma morena sacudida
De olhos negros e faces cor de jambo
Lábios rubros, cabelos de azeviche
Que me mata, me enfeitiça, põe-me bambo
A cintura, Meu Deus, é delicada
O seu porte é faceiro e bem decente
As mãozinhas são enfeites, são berloques
Que fazem enlouquecer a toda gente

Ai morena a quem amo, a quem adoro
Não me sai um só momento da idéia
É faceira, dengosa e muito chique
Tem um pé... que beleza, que tetéia!

Há segredos, quem diz, naquele corpo
Tremeliques, desmaios, sensações
Que nos põe a cabeça andar à roda
Sonhando com delícias, com paixões
Seus dentes são marfim de alto preço
Sua boca um cofre perfumado
O resto do corpinho uma delícia
O melhor é não dizer, ficar calado

Ai morena a quem amo, a quem adoro
Não me sai um só momento da idéia
É faceira, dengosa e muito chique
Tem um pé... que beleza, que tetéia!




Chiquinha Gonzaga: Lua Branca / Ô Abre Alas / Gaúcho / Annita / Meditação

                                                   



Com 18 anos de idade,
já Sra. Francisca Edwiges Gonzaga do Amaral.




A COMPOSITORA

Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em 17.10.1847 na cidade do Rio de Janeiro.Chiquinha recebeu aulas com o maestro Elias Álvares Lobo.
Chiquinha frequenta o ambiente masculino e nada recomendável dos músicos populares tornando-se amiga do grande flautista e compositor Calado, considerado o Pai dos Chorões Brasileiros.
Historicamente, é a primeira mulher e o primeiro pianista do choro. Ao mesmo tempo, encontra na composição de músicas outro caminho para algum ganho e expressão de sua arte. Com a primeira música que consegue imprimir, a polca Atraente, em 1877, obtém uma aceitação extraordinária, traduzida em mais de 15 edições. Daí em diante, fica cada vez mais conhecida à medida que são editadas outras músicas em papel e, mais tarde, pode apresentá-las no teatro musicado.Em 1885, já tinha derrubado outras barreiras. Na terceira tentativa, consegue com que uma peça de sua autoria, A Corte na Roça, seja encenada. As duas anteriores com músicas suas, Viagem ao Panasco e Festa de São João, não foram aceitas pelo fato de ser mulher e não haver precedente. Torna-se, assim, a primeira compositora brasileira a ser levada à cena. Nesse mesmo ano, num espetáculo em seu benefício, consagra-se igualmente como a primeira mulher a dirigir uma orquestra, portanto a primeira maestrina que tivemos.
Em 1899, para o Cordão Rosa de Ouro, do Andaraí, compõe a marchinha de rancho Abre Alas, considerada a primeira música composta especialmente para o carnaval, desde então símbolo do mesmo, ainda que decorrido todo um século.Por 3 vezes esteve em Portugal. De novo no Brasil, toma pé no meio musical, nada mais que a retomada do seu legítimo lugar, para assinalar, em 1912, o maior êxito, até hoje, do teatro brasileiro, a burleta Forrobodó, com texto de Carlos Bettencourt e Luiz Peixoto. Outras peças de Chiquinha, nos anos seguintes, continuariam a merecer o favor do público, entremeadas com o escândalo que foi a execução, mesmo que apenas em solo de violão, do seu popularíssimo tango Corta-Jaca, em 1914, no Palácio do Catete, por decisão de Nair de Tefé, mulher do presidente Hermes da Fonseca.Até falecer, em 28.2.1935, no Rio de Janeiro, com 87 anos, Chiquinha não sentiu esgotada a sua capacidade criativa. Em 1933, era levada à cena sua última peça original, Maria, no Teatro Recreio, tendo texto de Viriato Corrêa, com quem tinha marcado os êxitos memoráveis de A Sertaneja, em 1915, e Juriti, em 1919.Maior vulto de compositora popular brasileira, Francisca Edwiges Neves Gonzaga contribuiu, inestimavelmente, para a formação do nosso nacionalismo musical e, tantas vezes pioneira, teve a coragem de viver, com intensidade e desassombro, tudo o que lhe ditava o coração de mulher adiante do seu tempo.
CONHEÇA MAIS SOBRE A VIDA E OBRA DE CHIQUINHA GONZAGA ACESSANDO O SITE
http://www.chiquinhagonzaga.com/
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Última foto, feita em seu aniversário de 85 anos.


O INTÉRPRETE

Marco Aurélio Xavier é profissional da música desde 1960. Seu primeiro instrumento musical foi o Acordeon, tendo se formado na Academia de Artes Mario Mascarenhas. Em 1962, inicia seus estudos de piano com Maria de Lourdes Tornaghi. Na Itália, fez curso de 3 anos de órgão com Luigi Bofolo. Em 1976, renuncia à sua carreira de pianista e organista, criando as Meninas Cantoras de Petrópolis. Discípulo de mestres como Arnaldo Estrella (piano) e Ester Scliar (harmonia, análise e composição), especializou-se em técnica vocal, regência e formação coral em algumas cidades européias, estagiando em seculares instituições musicais tais como: "Meninos Cantores da Catedral de Regensburg" (Alemanha), "Meninos Cantores de Viena"(Áustria), "Meninos Cantores de Tölz" (Baviera), e "Coro Pontifício da Capela Sistina" (Roma), oportunidade em que teve como mestres Georg Ratzinger, Hans Gillesberger e Gerard Schmidt-Gaden. Sua formação mais completa no que se refere à formação de vozes e técnica coral, foi realizada no coro de "Meninos Cantores da Abadia de Montserrat" (Barcelona), chamado de "L'Escolania de Montserrat" cuja existência remonta ao século XI, tendo produzido grandes nomes da música espanhola e catalã, como Fernando Sor, Pe. Antonio Soler e Narciso Casanovas.Em Montserrat, o maestro Marco Aurélio Xavier teve como mestre o monge beneditino, Dom Ireneu Segarra que por 50 anos dirigiu aquele grupo de meninos cantores cuja qualidade técnica e vocal suplanta qualquer outro existente na atualidade. Além das Meninas Cantoras de Petrópolis, o maestro Marco Aurélio Xavier criou e dirigiu outros três corais: Coral da Universidade Católica de Petrópolis (1976-1989),Pequenos Cantores da Universidade Católica de Petrópolis (1981-1985) e Coral de Petrópolis (1989/1996). O CD "Alma Brasileira" é uma produção independente gravado em 1985, dedicado a 4 grandes nomes da música brasileira: Chiquinha Gonzaga; Ernesto Nazareth, Zequinha de Abreu e Villa Lobos.




terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Carinhoso - Pixinguinha

                                                      














Lamentos - Pixinguinha




 



Lamento 

Pixinguinha

Morena tem pena
Mas ouve o meu lamen...to
Tento em vão
Te esquecer

Mas olha, o meu tormento

É tanto, que eu vivo em pranto,

Sou todo infeliz

Não há coisa mais triste, meu benzinho,
Que este chorinho que eu te fiz
Sozinho, morena
Você nem tem mais pe...na

Ai, meu bem
Fiquei tão só
Tem dó, tem dó de mim
Porque estou triste assim

Por amor de você

Não há coisa mais linda neste mundo
Que o meu carinho por você

Meu amor, tem dó

Meu amor, tem dó


    

Pixinguinha, o maior representante da música do povo.



         A música popular brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o índio, o branco e o negro. Como manifestação cultural mais sintomática, deu sinal de vida, ao final do século XVIII, nos principais centros urbanos da colônia, notadamente Rio de Janeiro e Bahia, entoada por homens simples que cantavam modinhas ao violão.

        Os chorões, nome que se dá aos músicos que tocam choro, surgiram na sociedade carioca em torno de 1870. A palavra choro resultou da “colisão cultural” entre “choro”, de chorar, e chorus, igual a “coro”, em latim. No início o termo designava o conjunto musical e as festas em que esses conjuntos se apresentavam, mas na década de 1910 já se usava o vocábulo choro para falar de um gênero consolidado. Hoje a palavra tanto pode ser usada nessa acepção como para designar um repertório de músicas que inclui ritmos.

        Esses grupos de instrumentistas populares executavam, ao sabor da cultura afro-carioca, os gêneros europeus mais em voga. O jeito de frasear foi cultuando nos cavaquinhos, violões e flautas a base do choro, os primeiros passos de nossa musicalidade. Os grupos de choro tocavam em todos os cantos da cidade: nas casas simples, da classe média e nos saraus da elite imperial. Os chorões foram os principais divulgadores da música do povo até o início do século XX, quando primeiro as bandas de música e o teatro de revista, e posteriormente o rádio, passaram a cumprir esse papel.





“Foi um verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os ‘batutas’ apareceram. Eram músicos brasileiros que vinham cantar nossas coisas brasileiras! Isso em plena Avenida [antiga Central e atual Rio Branco], em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos anêmicos, frequentadores de cabarets, que só falam francês e só dançam tango argentino! No meio do internacionalismo dos costureiros franceses, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres polacas, do snobismo cosmopolita e imbecil! [...] Não faltavam censuras aos modelos ‘oito batutas’. Aos heroicos ‘oito batutas’ que pretendiam, num cinema da avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, através de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismo, ao som espontâneo dos seus violões e dos seus cavaquinhos.” (Benjamim Costallat, escritor, jornalista e músico, 1887-1961, Gazeta de Notícias, 22 de janeiro de 1922.)


 
 


         O flautista Joaquim Antônio Callado (1848-80), considerado o pai dos chorões, os pianistas Ernesto Nazaré (1863-1934) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e o maestro Anacleto de Medeiros (1866-1907), fundador da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, compuseram quadrilhas, polcas, tangos, maxixes, xotes e marchas, fundando o que seriam os pilares do choro e da música popular carioca da virada do século XIX.



 Joaquim Antônio Callado


        Pixinguinha herdou toda essa tradição musical. E foi além. Firmou o choro como gênero musical, elevou o virtuosismo flautístico ao máximo e organizou vários grupos musicais; como arranjador, deu identidade à músicas popular da primeira metade do século XX e foi, disparado, o maior compositor de choro de todos os tempos. E ninguém há de falar mal do homem Pixinguinha: “Pixinguinha é o melhor ser humano que eu conheço. E olha que o que eu conheço gente não é fácil”, não cansava de dizer o poeta Vinícius de Moraes, parceiro do chorão em Lamento.


 
 Vinícius de Moraes e Pixinguinha


        Com mais de cem anos de vida, o choro constitui-se em nossa música popular mais refinada. Os chorões sempre foram os melhores instrumentistas da MPB: Dino Sete Cordas, os bandolistas Jacob do Bandolim e Luperce Miranda, os violinistas Meira e Raquel Rabello, os clarinetistas Abel Ferreira e Paulo Moura, o trompetista Raul de Barros e Zé da Velha, o cavaquinhista Waldir Azevedo são alguns exemplos de músicos que ficarão para sempre em nossa história musical.





 
     Não existe um grande compositor brasileiro que não tenha composto choro: Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobin, Caetano Velloso, Sivuca; até Raul Seixas, com seu Sessão das dez, contribuiu para o gênero. O choro é nosso ritmo mais nacional, tocado em todos os cantos do país, cultivado em clubes, quintais, bares e teatros; é “a alma musical do brasileiro”, segundo Villa Lobos. E Pixinguinha é a sua maior expressão!





 
Auto-retrato

Eu também nasci chorando
Como todo mundo nasce
E embora a chorar vivesse
Não chorei o que bastasse

No choro a vida passei
Com prazer e na labuta
Sustentei mulher e filho
Chorando fiz-me um batuta

Chorei muito choro alheio
Toquei maxixe e marchinha
Alfredo sou por batismo
Mas no choro Pixinguinha

Fiz música, fui maestro
Fui Ingênuo, Carinhoso
Soprei meu triste Lamento
E o meu riso mais gostoso

E assim o ciclo se fecha
Pois cumpri o meu papel
Pintei o choro na terra
Pra colher risos no céu





Fonte: Mestres da Música no Brasil - ed. Moderna
Texto: André Diniz (Professor Doutor em Literatura Brasileira - PUC-RJ, músico e autor de livros sobre a história do choro)