quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A ditadura, as artes e a cultura.


                                                                                                                                                                                              
A Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Por Daniel Aarão Reis e Denise Rollemberg

Entre a ditadura, que não foi um monólito mudando segundo as circunstâncias, e a cultura, extraordinariamente diversa no caso do Brasil e também mutante, as relações foram muito complexas.
Em seu primeiro governo a ditadura pareceu tolerar ou negligenciar a cultura de protesto (música, cinema, literatura, artes plásticas) elaborada por artistas e intelectuais que, através de sua arte e de seu humor, criticavam a censura e o regime, incentivavam a rebeldia e denunciavam o terrorismo cultural . No momento seguinte, no entanto, no agitado ano de 1968, embora o gênero florescesse, acirrou-se a censura e apareceram grupos paramilitares de direita ameaçando e, às vezes, atacando manifestações artísticas. Com o AI-5, diminuíram drasticamente, embora não fossem extintas as margens para este tipo de arte comprometida com as lutas sociais e os programas políticos derrotados em 1964.
Houve, contudo, manifestações culturais, outras extraordinariamente populares que não tiveram senão problemas secundários com a ditadura e seus censores. A Jovem Guarda e os grupos nacionais de rock’n roll, com ritmos e temáticas que pareciam longe da dimensão política; a música sertaneja, que preservou e aumentou sua audiência e que também frequentava pouco as ásperas trilhas dos embates contra a ditadura; os programas humorísticos televisivos, ouvidos e vistos por milhões de pessoas; as novelas que, sobretudo a partir de Beto Rockfeller (o anti-herói que só queria subir na vida), tornaram-se um ingrediente essencial da cultura popular nacional.
Ao longo dos anos 1970 e cada vez mais, a vitória do projeto de modernização conservadora, a urbanização e a industrialização intensas do País, a revolução nas comunicações, a integração nacional pelas redes de televisão, entre outros fatores, iriam suscitar temáticas, abordagens e polarizações (moderno X arcaico) que pareciam distanciar o Brasil do período anterior ao golpe de 1964.
Neste quadro houve a possibilidade de convergências e alianças imprevistas, como a de autores de tradição de esquerda criarem e divulgarem seus trabalhos (novelas) através de redes televisivas notórias adeptas do regime ditatorial, mesmo que, eventualmente, tivessem dificuldades com a censura governamental. É que, no caso, embasavam a aliança afinidades comuns tecidas em torno de valores modernos e progressistas, compatíveis com a sociedade que emergia como resultado dos alucinados anos do milagre econômico.
O mesmo aconteceu com o cinema, onde a Embrafilme, agência estatal, não se privou de financiar filmes nestas mesmas bases explorando as relações pessoais, dramas íntimos ou as questões dos costumes, às vezes abordadas de ângulos inovadores.
A cultura de protesto não desapareceu. Permaneceu nas margens e tornou a aflorar nos últimos anos da ditadura, sobretudo com o fim da censura, mas sem a relevância que fora a sua logo depois da vitória do golpe. Mudara o País, e radicalmente ensejando no mesmo movimento a mudança dos padrões culturais. 


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