segunda-feira, 23 de julho de 2012

Poemas - Arthur Rimbaud




"A eternidade é o mar mesclado
ao sol."




Da série Rimbaud in New York, de David Wojnarowicz.


Os corvos
Arthur  Rimbaud

Ó Deus, quando frio é o prado,
Quando as aldeias se abalaram,
Os longos ângelus se calaram...
Sobre o mato descampado
Faça cair dos altos céus
Os queridos corvos deliciosos.

Estranho exército de gritos severos,
Ventos frios atacam vossos ninhos!
Vós, ao longo dos rios daninhos,
Nos caminhos de antigos calvários,
Nas covas e nas fossas
Dispersai-vos, agrupai-vos!

Aos milhares, nos campos de França,
Onde dormem mortos de ontem,
Volteiem, no inverno, afrontem,
Para que cada um repense!
Seja quem clama pelo dever
Ó nosso fúnebre pássaro negro!

Mas, santos do céu, no alto da árvore,
Mastro perdido na noite benta,
Deixem os pássaros de maio
Para quem na floresta acorrenta,
Da grama de onde não se foge,
A derrota sem futuro.



Canção da Mais Alta da Torre I

Ociosa juventude
A tudo oprimida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Ah! Que venha o dia
Em que os corações se amem.

Eu me dissea: cessa,
E ninguém te via:
E sem a promessa
De mais alta alegria.
Que nada te detenha
Grandiosa retirada.

Tive tanta paciência
Que para sempre esqueço;
Temor e penitência
Aos céus partiram.
E a sede doentia
Me escurece as veias.

Assim o prado
Ao esquecimento deixado,
Engrandece, e floresce
De joio e incenso
Ao zumbir tenso
De cem moscas sujas.

Ah! Tanta viuvez
Da alma que chora
E só tem a imagem
Da Nossa Senhora!
Será que se ora
À Virgem Maria?

Ociosa juventude
A tudo oprimida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Ah! Que venha o dia
Em que os coraçõres se amem!


Canção da Mais Alta da Torre II

Que venha, que venha
O tempo da paixão...

Tive tanta paciência
Que para sempre esqueço.
Temor e penitência
Aos céus partiram.
E a sede doentia
Me escurece as veias.

Que venha, que venha
O tempo da paixão.
Assim o prado
Ao esquecimento deixado,
Engrandece, e floresce
De joio e incenso,
Ao zumbir tenso
Das moscas sujas.

Que venha, que venha,
A paixão que se empenha.


Eu amava o deserto, os pomares queimados, as lojas desbotadas, as bebidas mornas. Eu me arrastava nas vielas fedidas e, os olhos cerrados, me oferecia ao sol, deus de fogo.
“General, se sobrar um velho canhão nas tuas muralhas em ruínas, bombardea-nos com blocos de terra seca. Nas vitrines das lojas maravilhosas! Nos salões! Faz a cidade comer o seu pó.
Enferruja as bicas. Enche os quartos femininos de pó de rubis ardendo...
Oh! O mosquitinho bêbado no mictório do albergue, amoroso da borragem”, e que dissolve um raio!


     


Jean  Nicholas Arthur  Rimbaud: sua saga atormentada através da África deserta da segunda metade do século passado, sua rumorosa ligação com o também genial poeta Verlaine, sua infância repleta de livros e fugas. Do garoto-prodígio que fazia versos em latim na Charleville onde nasceu em 1854 ao hospital de Marselha, onde chegou mutilado e infeliz para morrer aos 37 anos, temos aqui as andanças, a vida e a obra do autor de Uma Estação no Inferno e Iluminações. Por que este homem escreveu sua obra genial até os 19 anos e a partir daí jamais escreveu um verso? Por que a fuga dramática da Europa para uma vida de privações na África longínqua, amealhando dinheiro compulsivamente? Por que, quando perguntado se era parente de um poeta francês de nome Rimbaud ele dizia apenas: "Nunca ouvi falar"? 

Fonte: "Rimbaud por ele mesmo", ed. Martin Claret - tradução: Daniel Fresnot.


"Eclipse Total" (amor, Rimbaud e Verlaine) Filme Completo Legendas em po...

 

O filme conta a história do encontro visceral entre os poetas franceses Arthur Rimbaud (Leonardo DiCaprio) e Paul Verlaine (David Thewlis). Impressionado pelo talento e espontaneidade do jovem Rimbaud, o veterano Verlaine se aproxima do rapaz. Em noites regadas a absinto, os dois estreitam a amizade, descobrem o amor entre eles e escrevem alguns de seus poemas mais famosos. Porém, as amarras da sociedade e a própria intensidade da paixão entre eles começam a minar o relacionamento, mas a beleza desse encontro estelar brilha para o sempre no céu purpura da absoluta grandesa humana.




Carta de Isabelle Rimbaud, 28 de outubro de 1891.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Exposição Maldita 3.0


Formada por uma programação “rock and roll”, a Rádio Fluminense FM - apelidada pelos seus criadores de “Maldita” - entrou no ar em 1982. Em seus primeiros anos de funcionamento, a Fluminense teve como missão dar voz à geração de 1980. A Exposição “Maldita 3.0” celebra os 30 anos apresentando painéis com bate-papos entre ex-integrantes, jornalistas e produtores culturais, além de todo o acervo da Rádio, como fotos, objetos, documentos, livros, gravações de entrevistas, prêmios, discos promocionais e filmes. O público vai poder ver a remontagem do primeiro estúdio da Rádio, com equipamentos originais da época, e a exibição do curta-metragem “A Maldita”. A exposição reúne fotos inéditas, tiradas ao longo dos anos de funcionamento da Rádio, e uma série de fotos da primeira edição do festival Rock in Rio, pertencentes ao acervo do Festival. Entre os objetos expostos estão guitarras de Oasis, Echo and The Bunnymen, da Legião Urbana, da Plebe Rude; a bateria de Foo Fighters; o violão da cantora Cássia Eller e Skate do Beastie Boys autografado pelos seus integrantes, incluindo o falecido MCA. 

Para quem viveu a época da Maldita, dedico-lhe esse pequeno registro. 

Veja algumas fotos da exposição: 
Por Jacqueline Gaudard




















Carta de ouvinte para a galera da rádio Fluminense Maldita.










Guitarra Oasis


Vale a pena conferir a exposição!!! 


A exposição acontece até o dia 12 de agosto, sempre de terça à domingo, de 12h às 19h, no Centro Cultural dos Correios – Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro (próximo ao CCBB). Para maiores informações, acesse o site www.maldita30.com ou ligue para (21) 2253-1580.



domingo, 1 de julho de 2012

Alexandro Aguiar - Dalí atômico


Apresento neste vídeo o artista em seu processo de criação da obra. Vídeo muito interessante que registra o olhar do artista perante a obra de arte, e que nos leva a embarcar junto dela nessa viagem plástica do universo artístico. Fantástico, vale a pena conferir!!!

 

Alexandro Aguiar é artista plástico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. 

Impressionante!


Em 23 de junho de 2012.

Cerca de 1.700 pessoas posaram nuas para um fotógrafo americano, em Munique, na Alemanha. 





Fonte: http://noticias.uol.com.br/album/album-do-dia/2012/06/23/imagens-do-dia---23-de-junho-de-2012.htm#fotoNav=4


Jorge Amado - Gabriela, cravo e canela (Primeira Parte)


DE ELOGIO À LEI E À JUSTIÇA OU SOBRE NASCIMENTO E NACIONALIDADE

        Era comum tratarem-no de árabe, e mesmo de turco, fazendo-se assim necessário de logo deixar completamente livre de qualquer dúvida a condição de brasileiro, nato e não naturalizado, de Nacib. Nascera na Síria, desembarcara em Ilhéus com quatro anos, vindo num navio francês até à Bahia. Naquele tempo, no rastro do cacau dando dinheiro, chegavam à cidade de alastrada fama, diariamente, pelos caminhos do mar, do rio e da terra, nos navios, nas barcaças e lanchas, nas canoas, no lombo dos burros, a pé abrindo picadas, centenas e centenas de nacionais e estrangeiros oriundos de toda parte: de Sergipe e do Ceará, de Alagoas e da Bahia, do Recife e do Rio, da Síria e da Itália, do Líbano e de Portugal, da Espanha e de ghettos variados. Trabalhadores, comerciantes, jovens em busca de situação, bandidos e aventureiros, um mulherio colorido, e até um casal de gregos surgidos só Deus sabe como. E todos eles, mesmo os loiros alemães da recém-fundada fábrica de chocolate em pó e os altaneiros ingleses da estrada de ferro, não eram senão homens da zona do cacau, adaptados aos costumes da região ainda semibárbara com suas lutas sangrentas, tocaias e mortes. Chegavam e em pouco eram ilheenses dos melhores, verdadeiros grapiúrias plantando roças, instalando lojas e armazéns, rasgando estradas, matando gente, jogando nos cabarés, bebendo nos bares, construindo povoados de rápido crescimento, rompendo a seiva ameaçadora, ganhando e perdendo dinheiro, sentindo-se tão dali como os mais antigos ilheenses, os filhos das famílias de antes do aparecimento do cacau.
   Graças a essa gente diversa, Ilhéus começara a perder seu ar de acampamento de jagunços, a ser uma cidade. Eram todos, mesmo o último dos vagabundos chegado para explorar os coronéis enriquecidos, fatores do assombroso progresso da zona.
     Já ilheenses por fora e por dentro, além de brasileiros naturalizados, eram os parentes de Nacib, uns Askar envolvidos nas lutas pela conquista da terra, onde seus feitos foram dos mais heróicos e comentados. Só encontram eles comparação com os dos Badarós, de Braz Damásio, do célebre negro José Nique, do coronel Amâncio Leal. Um deles, de nome Abdula, o terceiro em idade, morreu nos fundos de um cabaré em Pirangi, após abater três dos cinco jagunços mandados contra ele, quando disputava pacífica partida de pôquer. Os irmãos vingaram sua morte de forma inesquecível. Para saber desses parentes ricos de Nacib, basta compulsar os anais do júri, ler os discursos do promotor e dos advogados.
     De árabe e turco muitos o tratavam, é bem verdade. Mas o faziam exatamente seus melhores amigos e o faziam numa expressão de carinho, de intimidade. De turco ele não gostava que o chamassem, repelia irritado o apodo, por vezes chegava a se aborrecer:
     - Turco é a mãe!
     - Mas, Nacib...
     - Tudo que quiser, menos turco. Brasileiro - batia com a mão enorme no peito cabeludo - filho de sírios, graças a Deus.
     - Árabe, turco, sírio, é tudo a mesma coisa.
     - A mesma coisa, um corno! Isso é ignorância sua. É não conhecer história e geografia. Os turcos são uns bandidos, a raça mais desgraçada que existe. Não pode haver insulto pior para um sírio que ser chamado de turco.
     - Ora, Nacib, não se zangue. Não foi para lhe ofender. É que essas, coisas das estranjas pra gente é tudo igual...
     Talvez assim o chamassem menos por sua ascendência levantina que pelos bigodões negros de sultão destronado, a descer-lhe pelos lábios, cujas pontas ele cofiava ao conversar. Frondosos bigodes plantados num rosto gordo e bonachão, de olhos desmesurados, fazendo-se cúpidos à passagem das mulheres. Boca gulosa, grande e de riso fácil. Um enorme brasileiro, alto e gordo, cabeça chata e farta cabeleira, ventre demasiadamente crescido, barriga de nove meses, como pilheriava o Capitão ao perder uma partida no tabuleiro de damas.
     - Na terra de meu pai... - assim começavam suas histórias nas noites de conversas longas, quando nas mesas do bar ficavam apenas uns poucos amigos.
     Porque sua terra era Ilhéus, a cidade alegre ante o mar, as roças de cacau, aquela zona ubérrima onde se fizera homem. Seu pai e seus tios, seguindo o exemplo dos Askar, vieram primeiro, deixando as famílias. Ele embarcara depois, com a mãe e a irmã mais velha, de seis anos, Nacib ainda não completara os quatro. Lembrava-se vagamente da viagem na terceira classe, o desembarque na Bahia onde o pai fora esperá-los. Depois a chegada a Ilhéus, a vinda para a terra numa canoa, pois naquele tempo nem ponte de desembarque existia. Do que não se recordava mesmo era da Síria, não lhe ficara lembrança da terra natal tanto se misturara ele à nova pátria, e tanto se fizera brasileiro e ilheense. Para Nacib era como se houvesse nascido no momento mesmo da chegada do navio à Bahia, ao receber o beijo do pai em lágrimas. Aliás, a primeira providencia do mascate. Aziz, após chegar a Ilhéus, foi conduzir os filhos a Itabuna, então Tabocas, ao cartório do velho Segismundo, para registrá-los brasileiros.
     Processo rápido de naturalização que o respeitável tabelião praticava, com a perfeita consciência do dever cumprido, por uns quantos mil-réis. Não tendo alma de explorador, cobrava barato, colocando a operação legal ao alcance de todos, fazendo desses filhos de imigrantes, quando não dos próprios imigrantes vindos trabalhar em nossa terra, autênticos cidadãos brasileiros, vendendo-lhes boas e válidas certidões de nascimento.
Acontece ter sido o antigo cartório incendiado, numa daquelas lutas pela conquista da terra, para que o fogo devorasse indiscretas medições e escrituras da mata do Sequeiro Grande - isso está até contado num livro. Não era culpa de ninguém, portanto, muito menos do velho Segismundo, se os livros de registro de nascimentos e óbitos, todos eles, tinham sido consumidos no incêndio, obrigando a novo registro centenas de ilheenses (naquele tempo Itabuna ainda era distrito do município de Ilhéus). Livros de registros não existiam, mas existiam idôneas testemunhas a afirmar que o pequeno Nacib e a tímida Salma, filhos de Aziz e de Zoraia, haviam nascido no arraial de Ferradas e tinham sido anteriormente registrados no cartório, antes do incêndio. Como poderia Segismundo, sem cometer grave descortesia, duvidar da palavra do coronel José Antunes, rico fazendeiro, ou do comerciante Fadel, estabelecido com loja de fazendas, gozando de crédito na praça? Ou mesmo da palavra mais modesta do sacristão Bonifácio, pronto sempre a aumentar seu parco salário servindo em casos assim como fidedigna testemunha? Ou do perneta Fabiano, corrido de Sequeiro do Espinho e que outro meio de vida não possuía além de testemunhar?
Cerca de trinta anos se haviam passado sobre tais fatos. O velho Segismundo morrera cercado da estima geral e ainda hoje seu enterro é recordado. Toda a população comparecera, de há muito ele não tinha inimigos, nem mesmo os que lhe haviam incendiado o cartório.
     No seu túmulo falaram oradores, celebraram suas virtudes. Fora afirmaram - um servidor admirável da justiça, exemplo para as gerações futuras.
     Registrava ele facilmente como nascidos no município de Ilhéus, estado da Bahia, Brasil, a quanta criança lhe chegasse, sem maiores investigações, mesmo quando parecia evidente ter-se dado o nascimento bem depois do incêndio. Não era cético nem formalista nem o podia ser no Ilhéus dos começos do cacau. Campeava o caxixe, a falsificação de escrituras e medições de terras, as hipotecas inventadas, os cartórios e tabeliães eram peças importantes na luta pelo desbravamento e plantio das matas, como distinguir um documento falso de um verdadeiro? Como pensar em míseros detalhes legais, como o lugar e a data exata do nascimento de uma criança, quando se vivia perigosamente em meio aos tiroteios, aos bandos de jagunços armados, às tocaias mortais? A vida era bela e variada, como iria o velho Segismundo esmiuçar sobre nomes de localidades? Que importava em realidade onde nascera o brasileiro a registrar, aldeia Síria ou Ferradas, sul da Itália ou Pirangi, Trás-os-Montes ou Rio do Braço? O velho Segismundo já tinha demasiadas complicações com os documentos de posse da terra, por que havia de dificultar a vida de honrados cidadãos que desejavam apenas cumprir a lei, registrando os filhos? Acreditava simplesmente na palavra daqueles simpáticos imigrantes, aceitava-lhes os presentes modestos, vinham acompanhados de testemunhas idôneas, pessoas respeitáveis, homens cuja palavra, por vezes, valia mais que qualquer documento legal.
     E, se alguma dúvida perdurava-lhe no espírito por acaso, não era o pagamento mais elevado do registro e da certidão, o corte de fazenda para sua esposa, a galinha ou o peru para o quintal, que o punham em paz com sua consciência. Era que ele, como a maioria da população, não media pelo nascimento o verdadeiro grapiúna, e, sim, pelo seu trabalho em benefício da terra, pela sua coragem de entrar na selva e afrontar a morte, pelos pés de cacau plantados ou pelo número de portas das lojas e armazéns, pela sua contribuição ao desenvolvimento da zona. Essa era a mentalidade de Ilhéus, era também a do velho Segismundo, homem de larga experiência da vida, de ampla compreensão humana e de poucos escrúpulos. Experiência e compreensão colocadas a serviço da região cacaueira. Quanto aos escrúpulos, não foram com eles que progrediram as cidades do sul da Bahia, que se rasgaram as estradas, plantaram-se as fazendas, criou-se o comércio, construiu-se o porto, elevaram-se edifícios, fundaram-se jornais, exportou-se cacau para o mundo inteiro. Foi com tiros e tocaias, com falsas escrituras e medições inventadas, com mortes e crimes, com jagunços e aventureiros, com prostitutas e jogadores, com sangue e coragem. Uma vez Segismundo lembrara-se de seus escrúpulos. Tratava-se da medição da mata de Sequeiro Grande e lhe ofereciam pouco para o vulto do caxixe: cresceram-lhe subitamente os escrúpulos. Em vista disso queimaram-lhe o cartório e meteram-lhe uma bala na perna. A bala, por engano, isto é: por engano na perna pois destinava-se ela ao peito de Segismundo. Desde então ficou ele menos escrupuloso e mais barateiro, mais grapiúna ainda, graças a Deus. Por isso, quando morreu octogenário, seu enterro transformou-se em verdadeira manifestação de homenagem a quem fora, naquelas paragens, exemplo de civismo e devoção à justiça.
     Por essa mão veneranda fizera-se Nacib brasileiro nato em certa tarde distante de sua primeira infância, vestido com verde bombacho de veludo francês.


Jorge Amado, Gabriela, cravo e canela, Primeira Parte: De elogio à Lei e a Justiça ou sobre nascimento e nacionalidade - ed. 79ª - Rio de Janeiro, Record -1998.)