A
música popular brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o
índio, o branco e o negro. Como manifestação cultural mais sintomática, deu
sinal de vida, ao final do século XVIII, nos principais centros urbanos da
colônia, notadamente Rio de Janeiro e Bahia, entoada por homens simples que
cantavam modinhas ao violão.
Os
chorões, nome que se dá aos músicos que tocam choro, surgiram na sociedade
carioca em torno de 1870. A palavra choro resultou da “colisão cultural” entre “choro”,
de chorar, e chorus, igual a “coro”, em latim. No início o termo designava o
conjunto musical e as festas em que esses conjuntos se apresentavam, mas na década
de 1910 já se usava o vocábulo choro para falar de um gênero consolidado. Hoje
a palavra tanto pode ser usada nessa acepção como para designar um repertório
de músicas que inclui ritmos.
Esses
grupos de instrumentistas populares executavam, ao sabor da cultura
afro-carioca, os gêneros europeus mais em voga. O jeito de frasear foi
cultuando nos cavaquinhos, violões e flautas a base do choro, os primeiros
passos de nossa musicalidade. Os grupos de choro tocavam em todos os cantos da
cidade: nas casas simples, da classe média e nos saraus da elite imperial. Os
chorões foram os principais divulgadores da música do povo até o início do
século XX, quando primeiro as bandas de música e o teatro de revista, e
posteriormente o rádio, passaram a cumprir esse papel.
“Foi um
verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os ‘batutas’ apareceram. Eram
músicos brasileiros que vinham cantar nossas coisas brasileiras! Isso em plena
Avenida [antiga Central e atual Rio Branco], em pleno almofadismo, no meio de
todos esses meninos anêmicos, frequentadores de cabarets, que só falam francês
e só dançam tango argentino! No meio do internacionalismo dos costureiros
franceses, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis
americanos, das mulheres polacas, do snobismo cosmopolita e imbecil! [...] Não
faltavam censuras aos modelos ‘oito batutas’. Aos heroicos ‘oito batutas’ que
pretendiam, num cinema da avenida, cantar a verdadeira terra brasileira,
através de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismo, ao
som espontâneo dos seus violões e dos seus cavaquinhos.” (Benjamim
Costallat, escritor, jornalista e músico, 1887-1961, Gazeta de Notícias, 22 de
janeiro de 1922.)
O
flautista Joaquim Antônio Callado (1848-80), considerado o pai dos chorões, os
pianistas Ernesto Nazaré (1863-1934) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e o
maestro Anacleto de Medeiros (1866-1907), fundador da Banda do Corpo de
Bombeiros do Rio de Janeiro, compuseram quadrilhas, polcas, tangos, maxixes,
xotes e marchas, fundando o que seriam os pilares do choro e da música popular
carioca da virada do século XIX.
Joaquim Antônio Callado
Pixinguinha
herdou toda essa tradição musical. E foi além. Firmou o choro como gênero
musical, elevou o virtuosismo flautístico ao máximo e organizou vários grupos
musicais; como arranjador, deu identidade à músicas popular da primeira metade
do século XX e foi, disparado, o maior compositor de choro de todos os tempos.
E ninguém há de falar mal do homem Pixinguinha: “Pixinguinha é o melhor ser
humano que eu conheço. E olha que o que eu conheço gente não é fácil”, não cansava
de dizer o poeta Vinícius de Moraes, parceiro do chorão em Lamento.
Vinícius de Moraes e Pixinguinha
Com
mais de cem anos de vida, o choro constitui-se em nossa música popular mais
refinada. Os chorões sempre foram os melhores instrumentistas da MPB: Dino Sete
Cordas, os bandolistas Jacob do Bandolim e Luperce Miranda, os violinistas
Meira e Raquel Rabello, os clarinetistas Abel Ferreira e Paulo Moura, o
trompetista Raul de Barros e Zé da Velha, o cavaquinhista Waldir Azevedo são
alguns exemplos de músicos que ficarão para sempre em nossa história musical.
Não existe um grande compositor brasileiro que não
tenha composto choro: Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobin, Caetano Velloso, Sivuca;
até Raul Seixas, com seu Sessão das dez,
contribuiu para o gênero. O choro é nosso ritmo mais nacional, tocado em todos
os cantos do país, cultivado em clubes, quintais, bares e teatros; é “a alma
musical do brasileiro”, segundo Villa Lobos. E Pixinguinha é a sua maior
expressão!
Auto-retrato
Eu também nasci chorando
Como todo mundo nasce
E embora a chorar vivesse
Não chorei o que bastasse
No choro a vida passei
Com prazer e na labuta
Sustentei mulher e filho
Chorando fiz-me um batuta
Chorei muito choro alheio
Toquei maxixe e marchinha
Alfredo sou por batismo
Mas no choro Pixinguinha
Fiz música, fui maestro
Fui Ingênuo, Carinhoso
Soprei meu triste Lamento
E o meu riso mais gostoso
E assim o ciclo se fecha
Pois cumpri o meu papel
Pintei o choro na terra
Pra colher risos no céu
Fonte: Mestres da Música no Brasil - ed. Moderna
Texto: André Diniz (Professor Doutor em Literatura Brasileira - PUC-RJ, músico e autor de livros sobre a história do choro)
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