A Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.
Por Daniel Aarão Reis e Denise Rollemberg
Entre a
ditadura, que não foi um monólito mudando segundo as circunstâncias, e a
cultura, extraordinariamente diversa no caso do Brasil e também mutante, as
relações foram muito complexas.
Em seu
primeiro governo a ditadura pareceu tolerar ou negligenciar a cultura de
protesto (música, cinema, literatura, artes plásticas) elaborada por artistas e
intelectuais que, através de sua arte e de seu humor, criticavam a censura e o
regime, incentivavam a rebeldia e denunciavam o terrorismo cultural . No
momento seguinte, no entanto, no agitado ano de 1968, embora o gênero
florescesse, acirrou-se a censura e apareceram grupos paramilitares de direita
ameaçando e, às vezes, atacando manifestações artísticas. Com o AI-5,
diminuíram drasticamente, embora não fossem extintas as margens para este tipo
de arte comprometida com as lutas sociais e os programas políticos derrotados
em 1964.
Houve,
contudo, manifestações culturais, outras extraordinariamente populares que não
tiveram senão problemas secundários com a ditadura e seus censores. A Jovem
Guarda e os grupos nacionais de rock’n roll, com ritmos e temáticas que
pareciam longe da dimensão política; a música sertaneja, que preservou e
aumentou sua audiência e que também frequentava pouco as ásperas trilhas dos
embates contra a ditadura; os programas humorísticos televisivos, ouvidos e
vistos por milhões de pessoas; as novelas que, sobretudo a partir de Beto
Rockfeller (o anti-herói que só queria subir na vida), tornaram-se um
ingrediente essencial da cultura popular nacional.
Ao longo
dos anos 1970 e cada vez mais, a vitória do projeto de modernização
conservadora, a urbanização e a industrialização intensas do País, a revolução
nas comunicações, a integração nacional pelas redes de televisão, entre outros
fatores, iriam suscitar temáticas, abordagens e polarizações (moderno X
arcaico) que pareciam distanciar o Brasil do período anterior ao golpe de 1964.
Neste
quadro houve a possibilidade de convergências e alianças imprevistas, como a de
autores de tradição de esquerda criarem e divulgarem seus trabalhos (novelas)
através de redes televisivas notórias adeptas do regime ditatorial, mesmo que,
eventualmente, tivessem dificuldades com a censura governamental. É que, no
caso, embasavam a aliança afinidades comuns tecidas em torno de valores
modernos e progressistas, compatíveis com a sociedade que emergia como
resultado dos alucinados anos do milagre econômico.
O mesmo
aconteceu com o cinema, onde a Embrafilme, agência estatal, não se privou de
financiar filmes nestas mesmas bases explorando as relações pessoais, dramas
íntimos ou as questões dos costumes, às vezes abordadas de ângulos inovadores.
A cultura
de protesto não desapareceu. Permaneceu nas margens e tornou a aflorar nos
últimos anos da ditadura, sobretudo com o fim da censura, mas sem a relevância
que fora a sua logo depois da vitória do golpe. Mudara o País, e radicalmente
ensejando no mesmo movimento a mudança dos padrões culturais.
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